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quinta-feira, 25 de abril de 2024

Democracia Corinthiana: o legado que jamais deve ser esquecido

No dia 14 de dezembro de 1983, corintianos e são-paulinos se espremiam nas arquibancadas do estádio do Morumbi. Era dia de Majestoso. Este, porém, não era um Majestoso qualquer. Era a final do Campeonato Paulista daquele ano que entraria para a história do futebol brasileiro.

Em campo, uma verdadeira legião de craques. De um lado, vestindo o manto alvinegro estava a Democracia Corinthiana de Sócrates, Casagrande, Wladimir e companhia. Do outro lado, estava a máquina são-paulina de Waldir Peres, Dario Pereyra, Zé Mário, entre outros.

Como o primeiro duelo da final foi vencido pelo time do Parque São Jorge pelo placar de 1 a 0, não restava outra alternativa para o tricolor do Morumbi a não ser ir para cima de seu rival.

Por mais que o São Paulo buscasse o gol insistentemente, o placar só foi sair do zero aos 46 minutos do segundo tempo. E foram os alvinegros que abriram o marcador. Em um passe magistral de calcanhar, Zenon deixou Sócrates cara a cara com o goleiro adversário que, com toda a sua frieza e técnica, apenas empurrou a bola para o fundo da rede, fazendo a fiel torcida explodir de alegria.

Com o tempo acabando e com um jogador a menos – Dario Pereyra recebeu o cartão vermelho direto por uma solada em Casagrande momentos antes do gol -, o Clube da Fé (como o São Paulo também é conhecido) precisava de um verdadeiro milagre para levantar a taça.

O milagre parecia estar por vir. No apagar das luzes, depois de um chuveirinho na área e de um bate-cabeça do sistema defensivo corintiano, Marcão igualou a partida e deu mais um sopro de esperança aos tricolores.

O gol de empate, no entanto, não seria suficiente. Os alvinegros conquistaram o título e se consagraram bicampeões (o Corinthians já havia erguido a taça do torneio paulista no ano anterior também em cima do São Paulo). Com isso, o dia 14 de dezembro de 1983 entrou para o coração dos fiéis torcedores e ficou eternizado na história como sendo o símbolo do auge do movimento da Democracia Corinthiana.

Há quem se engane, contudo, que o auge se deu por conta da conquista do troféu. Isso, de certo modo, ficaria em segundo plano. O ápice da Democracia Corinthiana, na verdade, se daria momentos antes do apito inicial.

Ao entrar em campo, diante de cerca de 90 mil pessoas e em uma clara afronta à ditadura militar que ainda vigorava no país, os atletas do Timão (como a equipe do Parque São Jorge é carinhosamente apelidada pela sua torcida) ergueram uma faixa com os seguintes dizeres: “Ganhar ou perder, mas sempre com democracia”.

Mais do que uma afronta, a faixa caracterizava o anseio do povo brasileiro por mais liberdade e serviria como fonte de inspiração, tanto de corintianos como de são-paulinos, palmeirenses, santistas e torcedores progressistas de outras equipes para mais tarde colocar abaixo o reinado de terror do regime militar brasileiro.

Hoje, passado 40 anos desse episódio, a Democracia Corinthiana encontra-se distante tanto no tempo quanto, infelizmente, em relação ao seu legado. As últimas administrações do clube alvinegro, sob direção da chapa política Renovação & Transparência (cujo líder é o Andrés Sanchez), não apenas colocaram as contas do time do Parque São Jorge no vermelho como também tomaram atitudes que foram na contramão do que o referido movimento de atletas pregava.

Para se ter uma ideia, entre o final de 2022 e o começo de 2023, após forte pressão das alas progressistas da torcida, o Corinthians desistiu de contratar o auxiliar técnico Rodrigo Santana, que foi flagrado participando de um ato antidemocrático em frente a um quartel do exército. Santana questionava a vitória do petista Luiz Inácio Lula da Silva e pedia – nada mais nada menos – do que a intervenção militar com Jair Bolsonaro no poder.

Pouco meses depois, outro grande vexame seria cometido pela diretoria. Com o apoio de uma parcela considerável da Gaviões da Fiel, o clube contratou o técnico Cuca – até então condenado pela Justiça da Suíça há aproximadamente 30 anos por violência sexual contra uma menina de 13 anos de idade.

Não demorou muito para que uma reação contrária à contratação explodisse. Protestos, liderados principalmente por coletivos feministas de torcedoras, ocorreram em frente à sede do clube social do Parque São Jorge exigindo a saída do treinador. Além disso, por meio das redes sociais, as jogadoras do time feminino de futebol do Corinthians postaram um manifesto contra a chegada de Cuca.

Devido a essa forte pressão, não demorou muito para que o inevitável acabasse acontecendo. Após comandar o Timão por dois jogos, em uma entrevista coletiva, o referido técnico anunciou que havia pedido demissão do cargo.

Agora, depois de um longo período, a oposição ao grupo de Sanchez finalmente ganhou a eleição presidencial. Contando com o apoio de uma boa parcela dos integrantes da Gaviões da Fiel, Augusto Melo, será o novo presidente do Timão pelos próximos anos.

A eleição de Melo, contudo, nos revela como a história é repleta de reviravoltas. O novo presidente do Corinthians já se mostrou ser um admirador de Ernesto Geisel (um dos militares que comandou o Brasil durante a ditadura). Entretanto, vejam como as coisas são, em 1979, quando Geisel se encontrava no poder, a Gaviões da Fiel, em um jogo no Morumbi contra o Santos, estendeu a seguinte faixa de oposição política ao regime: “Anistia ampla, geral e irrestrita”.

Sim, uma torcida organizada que outrora lutava contra as garras da repressão militar, hoje em dia, via uma parte significativa de seus membros apoiarem um candidato que exaltava a figura de um desses opressores.

Dessa maneira, mais do que revisitar uma conquista, que as comemorações do aniversário de 40 anos do título paulista de 1983 sirva para lembrar as lutas, o legado e os valores sociais defendidos dentro e fora de campo pelos atletas da

Democracia Corinthiana e, sobretudo, para que diretoria e torcida jamais se esqueçam porque o Corinthians é tido como o Time do Povo.

Autor:

Gianluca Florenzano (mestre em ciências sociais, jornalista, pesquisador e autor do livro “O jogo das ruas: movimento de atletas contra o racismo”)

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