O Português não é para principiantes. Quando você pensa que conhece o idioma, descobre novidades: figuras de linguagem, regionalismos, estrangeirismos, a língua é viva e está sempre evoluindo, ou involuindo. Modismos, idiotismos, politicamente correto (?), gírias, todo dia tem coisa nova.
Muitos se lembram de bordões publicitários, como “não é uma Brastemp” ou “que dureza” e outros que incorporamos ao vocabulário corrente, assim como falas marcantes de personagens de novelas ou do humorismo. Em uns poucos anos, passamos de expressões como “mina”, “bobo-moco”, para “danceteria”, “balada”, “dar um rolê”, “causando”, “se fazendo”, “se achando” e agora “dar um Google”, “youtuber”, “tiktoker”, “lacrar”, “spoiler”, “cancelar”, “stalker” etc.
E os termos da informática que o mundo moderno nos obriga a conhecer? E o dialeto dos funkeiros, poliglotas de lanchonete, instragramers, descolados e outros membros da fauna humana? Adotei Gigabyte, displeiar, deletar, printar, backup, mas não aceito “realiza!” falso cognato para “to realize” (constatar). Até parece o clássico “tea with me, I book your face”. Traduzindo: “chá comigo, eu livro sua cara”. A lista é enorme. Conheço gente que pede comida Delivery, compra no Drive Through, mas quando acaba a luz, corre para trocar o “fuzil”.
O português escrito é pior. Tem gente querendo a exclusão de letras como Q, que só funciona ao lado do U. Por quê não se escreve “por Kê”? Muita tinta de impressora seria economizada. S e Z, G e J, precisam entrar em acordo. Alguém tem de rediscutir o H, que não tem som de nada. Gramática e ortografia precisam ser revistas. Tudo Junto se escreve separado e Separado se escreve tudo junto. Ônibus e Metrô têm acento e metade dos passageiros viaja em pé. Carro não tem acento e todos viajam sentados. É acento ou assento? Percebem como é confuso?
Certa vez, na Fuvest, o tema da redação foi: A importância do lazer. Teve vestibulando nervoso que leu “leizer” e tirou zero na prova. O examinador estava mais preocupado em saber se o candidato conhecia ortografia do que se sabia escrever “n” linhas com algum sentido. Ou estava com preguiça de corrigir.
Pensem nos idosos, que aprenderam de um jeito e vira e mexe a regra muda. Como fica? Mas quem tem ou teve uma avozinha ranzinza, que enxerga e ouve mal, confunde tudo e cria confusão, sabe o que é alegria em forma de gente.
Um exemplo simplesmente complicado
Dona Ermengarda, 86 anos, passou duas semanas na UTI com Covid. A alta, foi muito festejada e deu até no Jornal Nacional. Há um mês foi atropelada e passou por cirurgia. Recuperada, foi para casa, mesmo com problemas de visão e audição. No tempo da Covid severa, por causa do isolamento, poucos foram visitá-la, mas agora, até o neto que mora em Bacabal, no Maranhão, decidiu vir e trazer a bisneta de dois anos que ela ainda não conhece. O neto, disse que a nenê adora Danette e a mãe Surubim ao forno. Dona Ermengarda telefonou para encomendar, mas por causa da visão fraca discou número errado (seu telefone tem disco). Ela ouve mal, a ligação era péssima, com ruídos e a atendente estava com otite e resfriada.
- Alô. É do restaurante? Vocês têm Danette?
- Sou representante da Net. Fale alto porque eu estou com otite. Amarante, ao seu dispor.
- Você é amante do Nestor? E eu com isso? Quero uma porção de Danette.
- Promoção da Net? Básico ou completo?
- É para a gatinha, filha do meu neto. Moram em Bacabal. Têm Surubim ao forno? Estou sarada e eles vêm me visitar.
- Surubinha e pornô com gatinhas? Bacanal sem parar? Quem diria? Tem de tudo do plano completo, sua taradinha!
- Sardinha não. Só como canja de cará. É um marasmo.
- Transa no sofá e tem orgasmo? Caramba! Que disposição?
- Composição? Não, mocinha, não componho. Só canto no coral.
- Só oral? Tá bom! Escuta, preciso atualizar a base de dados.
- Os rapazes estão acabados? Mas é só Danette e Surubim ao forno! Quero uma porção gigante. Gosto da família bem alimentada.
- Promoção Gigabite com ligação ilimitada? Prontinho. Pacote pornô, gatinhas e rapazes sarados. Agora bacanal sem parar e transa no sofá são por conta da senhora. K K K. Os técnicos vão sem demora.
- Sim, não vejo a hora. Tô numa ansiedade danada e emoção à beça.
- Também quero chegar na idade avançada com excitação como essa.
Os técnicos da Net chegaram quando Ermengarda dormia e foram atendidos pela cuidadora, que nada questionou. A família chegou quando ela via TV, sem os óculos. Todos se espantaram com o programa que ela assistia, mas fingiram não se incomodar. Afinal, passou por maus bocados.
- E aí vovó. Vendo um pornô legal?
- O forno é convencional, mas é bom.
- Gosta desse programa?
- Telegrama? Não recebi.
- Mãe, não perca tempo nesse canal? Muda, que a mente espraia.
- Sim, quando o tempo muda eu passo mal, mas gosto da praia.
- Aí só tem besteiras e sexo animal.
- O Palmeiras não tem mundial? Sorte sua que seu pai já morreu.
- Esse filme é sobre aquela vadia que gravou o presidente no salão oval da Casa Branca, com a mão na toca da coruja.
- Branca engravidou do gerente no carnaval? Gosto de fofoca suja. Conta!
Ninguém tinha fome e Ermengarda estava bem. A cuidadora fez café e a mãe da criança levou Danette. Ao saírem, o filho disse que agora a nenê está com sono e a mãe cansada, precisando de paz.
- Vão embora porque eu estou acabada e soltando gás? É muito desaforo.
Ah esses vendedores de canais por assinatura! São ruins de português, não entendem o que a gente quer e empurram o que não pedimos. Pobre dos idosos!
Humor inteligente. Agradável, leve , cura a alma, sobretudo em dias como os que vivemos. Rir é o melhor remédio.
Obrigado, Laura.
Dó da velhinha, coitadinha!
Se não formos antes, chegaremos lá, Laerte!
E o pobre do nosso idioma também, tão maltratado…
Muito assunto bem tratado por você!
Obrigado pelo incentivo, Ita. Chegaremos lá! KKK
Excelente 👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼
Obrigado pelo carinho, Denise.
Como sempre muito divertido
Criativo, brilhante parabéns
Obrigado Cacilda, índia guerreira.