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segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

O polaco e a yanomami discutem a relação

Teatro Amazonas, Largo São Sebastião, centro de Manaus. A ONU convocou uma Conferência Internacional sobre a Amazônia e percebeu tarde demais que a sigla em português – CIA – poderia trazer problemas. E trouxe. Imaginando tratar-se da famosa agência de espionagem, as autoridades temiam pela possível presença de agentes de inteligência infiltrados nas delegações estrangeiras. Porém, o aconteceu não podeia ter sido previsto pela ONU, nem pela CIA, MI-6, MOSSAD, OTAN, SVR (antiga KGB) ou qualquer vidente ou pai de santo de plantão.

O primeiro quase incidente diplomático aconteceu no aeroporto de Manaus, quando os oficiais não se entenderam com um polonês solitário. Ele acordou tarde, perdeu o voo e chegou sem o seu grupo. Sua jaqueta tem a inscrição ZGBYNW, provavelmente o nome de algum organismo internacional, mas não havia qualquer referência no manual do Itamaraty. Os inspetores brasileiros não falam nada além do português sofrível e o polaco é monoglota, gago e rouco.

Após muita negociação, conseguiram examinar seu passaporte: Krzysztof Grzergorz Zgbynw. Resolveram apelida-lo de Beto, pois seu nome contém metade das consoantes do alfabeto. É um galego atarracado, sem pescoço, com vastas costeletas e nariz adunco. Tudo se acalmou quando uma piriguete brasileira que vive na Polônia reconheceu o cliente constante. Disse que ele é chef de cozinha em Gdansk. Sem saber se Gdansk é o nome da cidade, estado ou do restaurante, os oficiais liberaram Beto e o supervisor anotou o número do celular da bela piriguete para futuro contato profissional. Se contato da profissão dele ou dela, não se sabe.

Beto teve de aguardar na antessala porque o evento já tinha começado e atrasos não são permitidos. O silêncio era tamanho que dava até para ouvir alguém dobrando um lenço ou as próprias células se dividindo. A ar condicionado teve problemas e foi direcionado apenas para o auditório. A temperatura na antessala chegou aos 43 graus e sensação térmica de Arre Égua! Beto não viu ninguém por perto e tirou a calça pela cabeça para não ter de se levantar. Mas havia, sim, alguém que, como ele, estava quase sem roupa. Era uma mulher com maquiagem pesada e colorida. Curioso, Beto resolveu averiguar.

Vestindo apenas cueca samba-canção, achegou-se à moça e leu o crachá pendurado entre duas mini montanhas rochosas nuas: CHIANNE, que no idioma tribal significa “aquela que fala sem inteligência”. A moça, que fala apenas a língua Yanomami, é filha do colorido e emplumado ARARIWE (espírito de arara), cacique e chefe da delegação dos povos originais. A questão do empoderamento feminino é tabu na tribo e Chianne é filha única. Se o pai morrer sem herdeiro masculino, haverá luta pelo cargo. 

Largados e pelados, índia e polaco tentaram comunicação por sinais, sem sucesso. Beto é monossilábico e nada flexível, o que o obrigou a desistir de ser contorcionista. Chianne é forte, carrancuda e meio doida. Quando a FUNAI exibiu o filme Psicose na aldeia, todos imaginavam que o roteiro foi inspirado nela.

Conversa não vai, conversa não vem, uma coisa levou a outra e Chianne partiu para cima do polaco, que não teve como se defender. Transaram intensamente até a chagada de Sharon, a tradutora da ONU. Ofegante, o chef pedia socorro enquanto Chianne gesticulava para ela dar o fora. Imaginando tratar-se de convite para ménage, a multipoliglota fluente em 74 idiomas e dialetos indígenas desconversou, acalmou o casal e contornou a situação com o embaixador polonês e Arariwe, que os convidou para uma festa na aldeia. 

Os polacos levaram caixas de vodka. Eles estão acostumados a beber, mas os nativos ficaram chapados e dançaram pelados em fila indiana, literalmente. Parecia a dança do Conga em boate alternativa do centro de Varsóvia. Chianne levou Beto para sua oca, na marra, e novamente deu em cima do chef. Para sorte do polaco, a vodka fez efeito e derrubou a silvícola. 

Beto conseguiu escapar, voltou à Polônia e reassumiu a cozinha no pequeno restaurante em Gdansk, onde ganha 8 mil Ztotys por mês (R$ 6.500,00). Quando sobra alguma grana, requisita os serviços técnicos da piriguete brasileira. Ele prefere sua cozinha, cujo calor parece neve, se comparado à Amazônia. Também prefere a piriguete, mais gentil e sedutora que a índia maluca.

Seis meses depois, a piriguete visitou Beto, recém demitido do restaurante. Levou um jornal brasileiro que dizia que a Justiça decidiu em favor dos Yanomamis, cuja reserva agora é várias vezes o tamanho da Polônia. Graças à força física, sua doideira e o empoderamento feminino recém chegado à tribo, Chianne se tornou a primeira mulher cacique. Sua sucessão não será problema porque ela é mãe de um galeguinho atarracado, sem pescoço, nariz adunco, forte, rouco e carrancudo.

A piriguete foi embora porque Beto não tem grana nem para um cafuné. Riqueza trás felicidade? Não, mas por acaso a pobreza trás? O que é melhor: ser pobre ou ser um rico infeliz? Um infeliz pobre é duas vezes infeliz. De repente, Beto sentiu saudade de Manaus e imaginou como seria sua vida casado com a silvícola doida, cuja inteligência nula não foi obstáculo ao poder. Aliás, doideira e burrice parecem condições obrigatórias para ocupar cargos de comando na região. E viva la vida loca, para Chianne, não para Beto, ou melhor Krzysztof Grzergorz Zgbynw.

Laerte Temple
Laerte Temple
Administrador, advogado, mestre, doutor, professor universitário. Autor de Humor na Quarentena (Kindle) e Todos a Bordo (Kindle). Crônicas de humor toda sexta-feira, às 10h.

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