Desde os tempos de colégio eram amigos inseparáveis.
Estudaram juntos, cursaram o primeiro, segundo e terceiro grau sempre na mesma escola, classe e horário. Querubim era mais extrovertido; Já Serafim não era.
Ambos tinham uma bela e sincera amizade.
Compartilhavam A vida de jovem.
Serafim era melhor em matemática, Querubim, na língua portuguesa.
Ajudavam-se mutuamente nos estudos.
Passado o tempo de colégio, cada qual seguiu seu rumo.
Como soe acontecer com todos quando estudantes, aquele tempo ficou para trás. Nunca mais se viram.
Passaram-se muitos anos e só restava a boa lembrança da juventude e daquela amizade do tempo de escola.
Serafim empregou-se em uma fábrica e tocava sua vida, simples e profícua.
Não tinha notícias de Querubim, não o via há algum tempo.
Já nem mais pensava no amigo. O decorrer do tempo deletara, ainda que não totalmente, a imagem daquele tempo.
Um dia Serafim saiu a passeio e olhando atentamente ao derredor, verificou com atenção um homem, já de meia idade, embaixo da marquise de um bar; maltrapilho, sujo e descorado.
Foi embora, mas aquela imagem não lhe saia do pensamento.
Ficou compadecido com que viu.
Havia uma voz que no silêncio de sua alma, gritava-lhe aos ouvidos.
Ficou impressionado e muito incomodado com que viu.
Não dormiu direito.
Aquela imagem não lhe fugia da imaginação.
No dia seguinte trabalhou normalmente e à noite voltou até aquele lugar e entabulou uma conversa com aquele homem.
– Boa noite. Como vai?
O homem ficou surpreso, já havia se acostumado a ser invisível aos olhos da sociedade.
Responde:
– Já há muito não tenho paz. Serafim olhou aquele homem e perguntou:
– Como é seu nome, posso saber?
– Sim, claro: Querubim.
Ao ouvir aquele nome Serafim gelou. Seria aquele homem o mesmo que foi seu amigo e colega de colégio com quem mantinha uma estreita amizade.
Após algum tempo de conversa, Serafim lhe diz:
– Meu nome é Serafim. Esse nome lhe é de boa lembrança?
Sim, claro. Creio estar falando com meu melhor amigo de colégio.
– O que houve com você, porque está aí nessa situação de rua?
Perguntou Serafim.
– É uma longa história sobra a qual não pretendo discorrer.
Após longa conversa, Serafim se retirou. Foi para sua casa. Pensativo e muito triste com que acabou de ver.
Se na noite anterior já não dormiu direito, nessa então nem se fala.
No dia seguinte toma uma decisão inusitada. Pede para falar com o diretor da empresa na qual trabalha, o Senhor Arcanjo.
A secretária pede-lhe um instante, dirige-se ao Sr. Arcanjo e diz:
– Tem um senhor que se chama Serafim querendo falar-lhe. Posso mandar entrar?
– Sim, pode.
Serafim adentra a sala e dirige-se ao seu Chefe:
– Desculpe-me incomodá-lo, mas tenho um amigo que está em situação de rua. Eu estudei com ele e posso lhe afiançar que se tratar de uma boa pessoa. Quero pedir uma colocação para ele dentro da empresa, mas não quero que saiba que eu pedi isso e nem lhe dizer que eu trabalho aqui.
Contou toda a história ao Chefe.
Arcanjo que tinha uma alma de anjo falou:
– Sr. Serafim, atenderei seu pedido. Arrumarei um lugar aqui mesmo na fábrica e o admitirei como vigia noturno. Terá um lugar para ficar.
– Está ótimo sr. Arcanjo.
– Posso ir-me e trazê-lo para cá?
Dói-me muito saber da situação em que se encontra.
– Claro, sr. Serafim. Vá lá e o traga.
Serafim dirige-se ao local onde está abrigado Querubim sob a marquise de um bar, e volta a tecer uma conversa com ele.
– Diga-me, Querubim, o que houve com você?
– Querubim levanta o olhar ao Serafim e diz:
– Lembra-se de nossas leituras de mitologia grega?
Pois então, trata-se da roda da vida. A roda da minha vida está na parte mais baixa e se mantém aí longo tempo.
Serafim sorri e diz:
– Sinto, Querubim, que não perdeste o viés filosófico, mesmo na adversidade.
– Pedir-lhe-ei uma coisa e espero que me atenda, disse Serafim.
– Falei com o Arcanjo e lhe arrumei uma colocação em uma empresa. Espero que aceite.
Querubim asseverou:
– Claro que sim. Nesta situação em que me encontro, que mais eu possa rejeitar. Seja lá qual for função for. Eu aceito de bom grado.
Dito e feito.
Serafim levou-o até a presença do Arcanjo, que ficou ainda mais compadecido em ver o estado em que se encontrava Querubim.
Recebendo-o com extrema bondade e cortesia.
Sr. Arcanjo indicou-lhe um banheiro para tomar banho e arrumou-lhe roupas, as quais não eram exatamente o seu número.
Após isso, determinou a Secretária:
– Leve-o até uma loja e compre-lhe roupas consoante o tamanho dele. Não lhe diga quem pediu emprego para ele e nem que o Sr. Serafim é nosso empregado. Foi uma promessa que fiz, guardar segredo.
Querubim desenvolvia seu trabalho com denodo.
Daí em diante jamais teve contato ou viu o Serafim.
Pensava. Por onde anda o Serafim e o que faz da vida?
Após alguns anos, Querubim galga posto elevado e fez uma bela carreira na empresa.
Arcanjo prestava muita atenção no trabalho de Querubim. Até que um dia o convidou a fazer parte da diretoria. Ele era diligente, inteligente e arguto.
O tempo foi passando. Chegou um dia que, por motivos exógenos, a empresa teve um profundo baque. A demanda retraiu-se muito, por conta de uma pandemia que assolava o mundo.
Arcanjo não sabia o que fazer. Não podia pagar os salários de todos os empregados. Fazia-se necessário demissões.
Isso aborrecia e preocupava Arcanjo, que tinha uma alma de anjo.
Tentou por diversas vezes um acordo com os líderes dos empregados, mas resultava sempre em fracasso.
Não via outra saída senão a demissão em massa. Mas isso não o agradava.
Chamou Querubim e apresentou a extensa lista de demissões que deveriam ocorrer nos próximos dias.
De posse da lista que muito incomodava Arcanjo quanto a Querubim, que observou o nome de Serafim entre aqueles que seriam demitidos.
Pensou: será este Serafim aquele meu amigo de escola que me ajudou tanto. Por que nunca o vi na empresa. Seria ele mesmo?
Conversando com a secretaria ficou sabendo que Serafim era bem quisto pelos demais colegas, era um líder nato.
Ordenou a secretaria que o chamasse a seu escritório.
Eis que se apresenta Serafim.
Surpreso, Querubim verifica tratar-se do seu antigo colega de escola que lhe ajudou quando mais precisava.
Não era outro senão ele que também estava na lista de dispensas.
Seria por demais doloroso para ele ter que demitir exatamente aquele seu melhor amigo.
Aproximou-se e disse:
– Serafim, nossa empresa não está muito bem. Tivemos uma queda abrupta na demanda da nossa produção. Não temos como manter este quadro. Precisamos encontrar uma solução menos traumática que a demissão pura e simples de 70% de nosso quadro.
Estive pensando em conversar com os empregados e propor redução de 50 % nos salários.
Não sei se aceitariam, mas esta é a forma que me parece adequada ao momento que vivemos.
– O que o senhor acha que podemos fazer?
– Converse com o pessoal e veja qual a melhor solução para esse impasse.
– Vou reunir o pessoal e colocá-los a par do que está acontecendo.
Muitos já sabem. Preciso conscientizá-los.
Serafim reuniu o pessoal e falou o que ocorria.
– Muitas vozes discordantes se levantaram, mas, mesmo assim, Serafim conseguiu a compreensão de boa parte, e com isso os empregos foram mantidos para gáudio de todos, embora houvesse esse sacrifício.
Passado aquele momento e obtendo o acordo de que precisava para evitar as demissões, Querubim pede novamente que Serafim volte a sua sala.
– Amigo, por que nunca me dissestes que você também trabalhava aqui. Nunca me pediu nada que pudesse retribuir ao bem que me fez.
Serafim falou:
– Quando o fiz não esperava retribuição alguma por este meu ato.
Esse não era meu objetivo. Fi-lo somente porque ouvi uma sonante e inaudível voz que me disse o que precisava fazer algo.
Houve uma mão invisível que me guiou até você para que pudesse fazer girar a sua roda da vida.
Não houve nada programado. Tudo foi desígnios difícil de precisar.
A vida nos coloca onde a gente tem que estar. Suficiente observar as oportunidades que nos são colocadas no caminho para que possamos cumprir com o dever Divino que nos é legado.
Afinal, não é à toa que nos chamamos Arcanjo, Serafim e Querubim.
Autor:
Odair Ferreira Ramos