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“Filho De Nietzsche”

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Nasci, cresci e tenho vivido no meio do nada… Não tenho coisa alguma e coisa alguma quero que não seja, de algum modo, minha. Destinei-me a uma glória específica! Não aceito nenhuma outra, nem mesmo se essa outra for superior. Quero a glória que é para mim! Sei que no fim de todas as contas não há coisa alguma que seja, realmente, alguma coisa além de vaidade. Tudo é vaidade… Somos, todos, em maior ou menor grau, vaidosos! Quero, porém, a minha vaidade, aquela que venho gerando mediante atitudes conscientes, escolhidas por mim. Para ter a minha glória, a minha vaidade, desço aos infernos mais profundos, enfrento centenas de demônios, suporto aflições insuportáveis à tanta gente… Se esses demônios e essas aflições não se mostram eficazes para que eu seja levado até a minha glória, engendro, tão logo, outros demônios e outras aflições a mim mesmo! Todo grande bem é oriundo de um grande mal… Não foi, Jesus, segundo as religiões de matriz cristã, levado pelo Espírito de Deus ao deserto, para ser tentado pelo Diabo? Vencer a tentação fez dele o Messias!

“As tentações…”. Pelas tentações é que o homem tem a possibilidade de evoluir, amadurecer, polir o caráter! Se eu sucumbir à tentação, que culpa tem o Diabo? Ele simplesmente terá posto um espelho frente à minha face, e o espelho, por sua vez, terá revelado a verdade de quem tenho sido! Se após resistir por algum tempo, na tentação eu cair, que culpa tem o Diabo?! Para os diabos com essa coisa de culpar o Diabo! É decepcionante constatar que o homem saiu da Idade Média mas que, a Idade Média, não sai do homem… A hipocrisia, em diferentes graus e tipos, predomina em nossa sociedade! E que hipocrisia é maior do que a de fazer de outra pessoa, de algum outro ser ou coisa, o culpado pelos tropeços morais que são nossos?!

Sempre que você der de cara com o Diabo (suas encruzilhadas, circunstâncias que dificultam sobremaneira a sua decisão sobre que direção seguir, que atitude tomar), não o veja como mal; entenda que é uma grande oportunidade para se afirmar, para conhecer a si próprio mais profundamente e para tomar posse de mais uma parcela de si mesmo. Vença a “tentação do Diabo”, ou ceda a ela ao menos mantendo a dignidade de reconhecer o papel que no script da sua vida você resolveu desempenhar, por mais que esse seja, em relação às demais pessoas e a você mesmo, um papel vergonhoso, desprezível!

Seja verdadeiro… Mas qual o valor da verdade?

Nem a verdade nem coisa ou pessoa alguma possui, de si, algum valor. A verdade e tudo mais têm valor “em mim”, em relação a mim. Sou verdadeiro, não que a verdade seja, “em si”, virtude, mas porque a verdade é uma virtude “em mim”! Muitas vezes, por medo de que algo dê errado, uma pessoa inventa a “certeza” de que fatalmente não daria certo. Essa “certeza”, essa falsa verdade, nos livra superficialmente da ansiedade e nos proporciona uma sensação de segurança para optarmos pelo mais cômodo. Desse modo, negligenciamos nossos desejos autênticos, os mais fortes pendores de nossa alma; seguimos, assim, em nossos caminhos de mentiras, que, com o correr dos anos, nos levarão a labirintos psicossomáticos dos quais talvez jamais consigamos nos libertar… Minha opção é ser verdadeiro em relação a mim mesmo! E como se é verdadeiro em relação a si mesmo? A resposta surge de uma outra pergunta: quer saber quem você realmente é? Observe -se ao espelho de suas mais terríveis aflições. Os momentos mais difíceis são os que nos definem. Você defende certos valores, certas qualidades, e orgulha-se de viver conforme tais valores, exercendo tais qualidades, até que, de repente, seu mundo é posto de ponta-cabeça, tornando essas qualidades, esses valores, inúteis à salvação de sua vida; a mais angustiante encruzilhada forma-se diante de você, exigindo que decida por alguma das direções, tão opostas entre si, sendo, a mais difícil, exatamente aquela capaz de confirmar, aos outros e a você mesmo, quem você sempre disse ser… Como agirá diante de tal desafio? Caso decida salvar sua vida, seguindo por algum caminho tão contrário à sua essência, perderá a própria alma! Passará a existir como um zumbi! Há vezes em que a única maneira de preservar aquela parcela de si que mais faz que sinta orgulho de si mesmo é abdicar do resto de si, de todo o resto sob o qual o edifício de sua existência tem sido construído; “o prédio todo virá à baixo, deixando expostas apenas aquela sólida coluna que define quem você realmente é…”. Está disposto a pagar o preço, caso seja, algum dia, cobrado? Um homem só se encontra quando, diante da possibilidade de perder-se completamente, ousa saltar um precipício! Como disse “meu pai”, Nietzsche, “nunca é alto demais o preço a pagar pelo privilégio de pertencer a si mesmo”.

“Nietzsche e eu…”.

O que devo dizer sobre “meu pai” e eu, para que entenda que sou mesmo “Filho do Homem”?

“Nietzsche….”. Ecce homo! Para ele, o espírito dionisíaco representava a afirmação total em relação à vida, o símbolo da assimilação integral do indivíduo. Não manifesto, em todos os meus textos e no contexto da minha própria vida, tal coisa? E meus textos não constituem a máxima expressão de quem tenho sido? Quando se referiu ao Übermensch (Além-homem; Super-Homem), não estava, de certo modo, se referindo a mim, entre outros raríssimos indivíduos? Claro que eu e “meu pai” temos nossas diferenças… É preciso “desonrar os pais para honrar a si mesmo”! Quem pode entender o que digo? Já posso ouvir o ranger de dentes, o rosnar e os latidos dos cães domésticos da casa de Nietzsche, dizendo: “Quem é você para comparar-se ao filósofo Nietzsche?!”. Mas, em seguida, ouço também o próprio Nietzsche, esse moderno “Zaratustra”, repreendendo seus adoradores por tal atitude: “Recompensa mal a um mestre quem se contenta em ser sempre discípulo. E por que não ousam destroçar a minha coroa?”.

Nietzsche, “Filho de Dionísio”. Eu, “Filho de Nietzsche”!

Autor:

Cesar Tólmi – Filósofo, psicanalista, pós-graduando em Neurociência Clínica, arte-terapeuta, jornalista, escritor e idealizador da Neuropsiquiatria Analítica, integrada aos campos clínico, forense, jurídico e social.

E-mail: cesartolmi.contato@gmail.com

Obs.: texto extraído do livro FILÓSOFOS DE PESCOÇO DE GIRAFA, de minha autoria.

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