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sexta-feira, 26 de abril de 2024

A ineficácia da proibição: repensando a regulamentação dos cigarros eletrônicos

Ao longo da história, o Estado reiteradamente adotou medidas proibitivas na
tentativa de controlar comportamentos considerados indesejáveis ou prejudiciais à
sociedade. Uma característica comum dos governos intervencionistas é julgar suas
medidas pelas suas intenções e não pelos impactos verdadeiramente gerados.
Proibir algo não é garantia de que desaparecerá; muitas vezes, apenas aumenta
seu preço e abre caminho para a comercialização clandestina. Tudo indica que,
assim como no passado, o cigarro eletrônico é o próximo a passar por isso.
Outro ponto em comum dos governos intervencionistas: eles não aprendem com a
história. Um exemplo clássico de proibição estatal que revelou sua ineficácia é a Lei
Seca nos Estados Unidos na década de 1920. Com a promulgação da 18ª Emenda
à Constituição Americana em 1919, a venda, produção e transporte de bebidas
alcoólicas foram proibidos no país. E qual a motivação por trás dessa decisão?
Claro, era reduzir os problemas sociais associados ao consumo excessivo de álcool,
como violência doméstica e acidentes de trânsito.


Sem surpresas, a Lei Seca revelou-se um fracasso retumbante. Em vez de diminuir
o consumo de álcool, a proibição impulsionou a criação de um mercado negro
próspero, com a produção e distribuição clandestina de bebidas alcoólicas. O crime
organizado ganhou força, com a ascensão de gangsters como Al Capone, que
lucraram com a ilegalidade do álcool. A proibição, ainda, resultou em um
enfraquecimento do Estado de Direito, com a corrupção generalizada de agentes da
lei e o desrespeito difuso à legislação. Diante do fracasso evidente, a Lei Seca foi
revogada em 1933 pela 21ª Emenda, reconhecendo a ineficácia da proibição como
estratégia de controle do consumo de álcool.


A verdade é que o Estado paternalista está frequentemente presente em estruturas
sociais que alimentam o governo como uma entidade que entende, mais do que os
próprios indivíduos, as suas necessidades e anseios. Ao que tudo indica, o mais
recente objeto que requer a intervenção estatal, visando resguardar a população de
si mesma, é a proibição dos cigarros eletrônicos.


O Brasil faz parte de um grupo de 32 nações que vetam o comércio do produto,
assim como México, Índia e Argentina. Outras 79 – como Estados Unidos, Reino
Unido e Canadá – liberaram com maior ou menor grau de restrição, conforme
relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 2021. A regra brasileira que
proíbe os cigarros é de 2009; na época, a Anvisa apontou ausência de dados
científicos que comprovassem a segurança dos dispositivos e optou pela restrição
generalizada. Inclusive, usuários podem ser penalizados com uma multa de até 5
mil reais diários.


Milton Friedman, escritor e economista norte-americano, apontou que a solução do
governo para um problema é usualmente tão ruim quanto o problema. Mesmo
previsto em lei, com ameaça de penalidades financeiras, a demanda por cigarros
eletrônicos não para de aumentar. Segundo pesquisa da UFPel, essa já é uma
realidade para um a cada cinco jovens de até 24 anos. Diante dessa realidade, seria
sensato o governo brasileiro persistir na ilusão de que a proibição tem sido eficaz?
Ao se ignorar um suposto problema, o Estado ignora também a solução. Isso
porque países que adotaram medidas mais flexíveis, como Estados Unidos e Reino
Unido, com a utilização dos cigarros eletrônicos notou a diminuição na taxa de
tabagismo. O governo britânico, por exemplo, anunciou a distribuição de 1 milhão de
cigarros eletrônicos à população como parte de uma estratégia para combater o
hábito de fumar. Essa iniciativa, combinada com apoio comportamental, visa auxiliar
os fumantes a abandonarem o vício. O número de 1 milhão representa cerca de
20% do total de fumantes na Inglaterra, e as autoridades estabeleceram uma meta
ambiciosa de reduzir as taxas de tabagismo para 5% ou menos até 2030,
considerando que em 2021 essas taxas estavam em 13%. Esses exemplos
demonstram que a abordagem mais flexível e baseada em evidências pode ser
efetiva na busca por soluções reais.


Essa não é uma percepção isolada dos especialistas britânicos. Uma série de
estudos defendem que os cigarros eletrônicos oferecem menos riscos e podem
servir como o primeiro passo para abandonar o tabagismo. Em um estudo de 2021,
publicado pela revista acadêmica JAMA Network, apontou que entre 1.600 fumantes
ativos que não tinham intenção de parar no início do estudo, 28% que usavam
cigarro eletrônico ou vaping diariamente pararam de fumar cigarros tradicionais em
12 meses. Os usuários diários de cigarros eletrônicos no estudo tinham oito vezes
mais chances de parar de fumar cigarros tradicionais do que os usuários não
diários, de acordo com os pesquisadores.


É cada vez mais evidente que a proibição dos cigarros eletrônicos revela a
persistente e perturbadora falha das políticas de proibição em enfrentar os desafios
complexos da sociedade contemporânea. Em vez de restringir escolhas individuais,
a resposta adequada reside na promoção da educação, conscientização e
regulamentação adequada para verdadeiramente proteger a saúde pública. Para
Friedrich Hayek, em A Constituição da Liberdade (1960), a liberdade não é um
apenas um valor em particular, é a fonte e a condição da maioria dos valores
morais. No final das contas, é mais uma vez o indivíduo contra o Estado, buscando
ser livre para escolher.

Artigo escrito por Melani Ruppenthal, coordenadora do Instituto Atlantos

Leonardo Chagas
Leonardo Chagas
Leonardo Chagas, bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, é presidente do Instituto Atlantos, think tank brasileiro que promove o liberalismo e o livre mercado. Atua no mercado financeiro como consultor de investimentos na Musa Capital, com experiências em escritórios de investimentos e family office. Em 2019, foi reconhecido como Top Global Leader pelo Students for Liberty.

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