Raquel

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Ao apanhar o carro no estacionamento encontrei um colega que havia morado próximo de casa e que há muito não via. Ele estava “fazendo hora” e assim pudemos conversar um pouco. Após os cumprimentos e as perguntas tradicionais, fiquei feliz em saber que estava tudo bem com ele e a família. Perguntei-lhe também de sua filha, de nome Raquel que já deveria estar moça.

Ele parou um pouco para pensar…

— Raquel…

Parecia estar buscando pela memória alguém distante…

— A Raquel morreu – me disse.

Fiquei estarrecido. Por um instante, várias lembranças me vieram à mente, como quando ela veio em nossa casa num dia de Halloween, toda fantasiada em busca de doces, claro, e como já sabíamos de antemão que viria deixamos seus preferidos separados; e vários outros momentos em que a vi brincando na rua, indo para a escola, correndo com o cachorro… Fiquei chocado. E era uma criança meiga, lindíssima.

Dei-lhe meus sentimentos, e lamentei não ter ficado sabendo. Pedi desculpas, inclusive, por perguntar sobre ela. Ele disse que não tinha importância. Perguntei-lhe quanto tempo fazia. Novamente uma longa pausa, onde parecia estar fazendo contas, para ao final me dizer que não se lembrava. Bem… Talvez estivesse tentando esquecer o que ocorrera, daí não se prender a data. E quando lhe perguntei o que houve com ela, uma breve pausa para me responder que não sabia ao certo.

— Foi alguma coisa.

No meu entender ele não queria falar sobre o assunto. Provavelmente se tratava de um luto mais prolongado e difícil, o que era compreensível, afinal perder um filho é um golpe muito duro para os pais. Já ouvi dizer, inclusive, que meninas são mais ligadas ao pai do que à mãe. Disse a ele algumas palavras de conforto e pedi que transmitisse o mesmo à sua esposa. Se eu havia ficado triste, imaginei então a dor dos familiares, como os avós. Nunca estamos preparados para a morte que é triste em qualquer circunstância, mas quando se trata de uma criança ou adolescente, é ainda mais difícil de aceitar. A dor é maior.

Bom, ele agora precisava ir. Uma vez mais apertamos as mãos e ele comentou que se não tivesse que buscar a filha num curso poderíamos tomar uma cerveja, mas que isso ficaria para a próxima oportunidade, sem falta. Ao ouvir isso fiquei mais aliviado. Então ele tinha outra filha… E eu sequer sabia. Menos mal, porque isso seria importante para suportarem a perda, manterem o equilíbrio, e teriam em quem pensar, com quem se preocupar, enfim, a vida do casal não seria um vazio tão grande como se tivessem perdido a única filha.

Mas ele me corrigiu, dizendo que eles tinham somente uma filha, que eu havia conhecido quando era mais criança, e de nome Ana Carolina… Eu é que havia errado o nome… Ufa! Que alívio! Eu e minha dificuldade em guardar e confundir nomes!! Mas assim que ele se foi, uma dúvida me veio à mente.

Afinal… quem era a Raquel??

Autor:

Miguel Arcangelo Picoli é autor do livro Momentos (contos) e Contos para Cassandra (em homenagem à escritora Cassandra Rios).

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