A aprovação, a toque de caixa, da Reforma Tributária na Câmara, apesar dos 30 anos de promessas e discussões, surpreendeu os contribuintes. Vários setores da economia preveem aumento de impostos, suspensão de contratos, redução de jornada e salário, desemprego etc. No governo há muita (des)orientação, politização, negação e jogo de empurra. A mídia cumpriu seu papel de (des)informar, variando entre sensacionalista, muito sensacionalista e totalmente sensacionalista. Afinal, o que dá audiência é a notícia ruim e o Cruzeiro Safadão ia zarpar.
Setores importantes não foram contemplados. A turma do lobby forte conseguiu tratamento diferenciado, mas os demais serão altamente taxados: vendedores do Metrô, pedintes, agiotas, garotas de programa, guardadores de veículos e artistas de semáforo, além de personagens folclóricos como Saci, Papai Noel, Coelho da Páscoa e a trupe do Carnaval. Até morador de rua vai pagar para usar espaço público. Todos serão tributados! Arlequim foi nomeado interlocutor do grupo folclórico para negociar com o governo e o Congresso. Por isso, convocou reunião semipresencial na Casa da Mãe Joana.
- Bem-vindos. Agradeço à Mãe Joana por ceder sua casa e a conta no Zoom para a reunião. Pergunto: qual a razão da escolha de meu nome para representar este seleto grupo?
- Nada como um palhaço para lidar com o circo – falou o Saci.
Rei Momo, Pierrô e Colombina disseram que a indefinição da alíquota para suas atividades compromete o Carnaval. O Coelho da Páscoa, por Libras, citou que a tributação trará prejuízo. Muitos fazem ovos de chocolate em casa, sem pagar tributos. Mãe Joana sofre com as franquias fakes da sua Casa. O país todo virou a Casa da Mãe Joana, fora a concorrência desleal pela Internet. Querem taxar nossos serviços em 25%. Teremos de repassar a despesa aos clientes e isso será decepcionante. Decepção por decepção, temo muitos voltem ao sexo com o próprio cônjuge. Por não agregar valor, é isento do Imposto de Valor Agregado. O homem do realejo disse que após a Reforma o periquito se demitiu e voltou ao Zoo. Prefere a vida de presidiário: lazer, ociosidade, segurança, comida e assistência veterinária grátis e nada de impostos!
A discussão corria solta quando de repente o Saci viu na tela do Zoom o Cabeça de Abóbora, o Tio Fester, da família Addams e a Bruxa de Salém. O Dia do Saci não pegou no Brasil e as crianças continuam preferindo o importado Dia das Bruxas. É invasão de território, protestou o Saci. Tio Fester disse que a isenção do imposto de importação nas compras até 50 dólares levou os consumidores brasileiros a preferirem os produtos chineses. Todos fomos prejudicados!
A reunião caminhava para o impasse quando surgiu na tela uma nuvem branca, o som de canto gregoriano e um ser alado flutuando no ar.
- Quem é você? – perguntou Arlequim.
- Sou o Anjo Pena Fiel, assessor celestial e guardião do folclore.
- Você vai nos ajudar?
- Por que precisam de ajuda? O Brasil foi criado como um paraíso!
- Sim, mas virou o paraíso das oportunidades desperdiçadas.
- Tentarei ajudar, mas devo dizer que a Reforma Tributária também nos atingiu. A taxação das Festas Juninas preocupa meus parças João, Antônio e Pedro. Como vocês invocaram o Supremo proferindo várias vezes a expressão “pelo amor dEle”, nosso CEO mandou ouvi-los.
- C-E-O! – exclamou Colombina. O Céu agora tem um Chief of Executive Officer?
- Sim, estamos nos reestruturando. O irmão Anjo Caído cedeu alguns consultores de gestão de processos e também uns advogados tributaristas.
- O Capeta ajudando o Celestial? Não acredito!
- Não há consultores e nem advogados no Céu. Estão todos lá em baixo. Os celestiais pediram ajuda ao irmão Anjo Caído para lidarem com o parlamento brasileiro. Sozinho é impossível.
- Seu Santo, será que dá para conseguir isenção de tributos para nossas atividades?
- Sou apenas anjo, por favor. Posso colocar o assunto na pauta da reunião do Conselho, mas não é tão simples. Primeiro é preciso aprovar na CCJ.
- C C J? No céu também tem isso? – perguntou Pierrô.
- CCJ é a Comissão Celestial de Justiça. Uma vez admitida, a matéria é levada para votação no plenário. Se for aprovada, o CEO Pedro despacha com o Supremo, que sanciona ou veta.
- Quanto tempo demora? – quis saber o Saci.
- Do início ao fim do processo, calculo uns seis meses.
- Seis meses? Vamos falir antes disso!
- Talvez mais, talvez menos. A contagem do tempo é diferente na eternidade e o caso de vocês se parece muito com o das galinhas.
O anjo disse que as galinhas se queixaram que as aves têm na cloaca a única ligação com os sistemas renal, gastrintestinal e reprodutivo. Fazem as necessidades, recebem o galo e botam ovos diariamente por um único orifício. Elas pediram mais um orifício, como as demais fêmeas superiores, mas alterar um projeto animal é complexo e o CEO deu um prazo de seis meses.
- Entendemos – disse Pierrô. Mas não sei se aguentamos tanto tempo.
- Lamento, mas esse é o rito estatutário. Se não for seguido à risca, o STF pode derrubar.
- S T F no Céu?
- Supremo Tribunal do Firmamento. Aquele pessoal é jogo duro e o mandato é eterno!
- E o que faremos enquanto isso?
- Enquanto isso, terão de fazer como as galinhas. Continuem tomando no…
Subitamente o tempo de Zoom terminou e a reunião foi encerrada sem conclusão. Agora só resta tentar fazer lobby no Senado, mas mesmo unindo o celestial e as profundezas, a perspectiva de sucesso no parlamento é pequena.
Triste saber que nem com a ajuda do Supremo Tribunal do Firmamento essa imensa casa da Mãe Joana, com todos os seus personagens, será aliviada.
O que nos resta é rir da situação. Brilhante sua crônica. Hahahaha!
Obrigado Pascoal. Quem não pertence ao lobby, que pague os impostos. KKK
Dizem que no Brasil tudo acaba em pizza ou carnaval, se nem nossas próprias escolhas através de voto…..deputados, senadores, nem o Desonra Nacional ops……o Congresso Nacioal nos respeita…..quem há de respeitar ? Mais uma vez…não legislam pro povo
Obrigado, Rosa, pelo comentário.
Perfeito!!!
Nosso país do futuro
Obrigado pelo comentário, Márcia.
Hilário e apavorante. É o humor colorindo o tenebroso cenário nacional