Paris, 2022, 18 de novembro. Esquina com a Champs-Élysées, o guindaste mostra sua imponência, com fragmentos de tintas, azuis, amarelas, douradas, prateadas decoram suas laterais de ferro. A torre Eiffel lá no fundo olha atentamente seu movimento, encantada. Vai chegando próximo. Posicionado, ele se abaixa, reverencia seu mestre e permite sua passagem, com puro respeito. Aos poucos vai subindo e se apoia no corrimão. No seu ombro esquerdo leva seu galão de tinta branca, no outro um arco íris com vários tons. Na mão direita seus pinceis de todos os tamanhos e no coração sua alma. Sua roupa própria carrega adereços para sua segurança. Chegada a hora de entrar na cabine. O percurso leva dez minutos, parece eterno, mas a cada segundo sua expectativa aumenta, a emoção toma conta do seu peito, a vida cotidiana sai de cena. Começa a enxergar as pessoas pequenas, distantes cada vez mais.
Os carros parecem de brinquedo, as árvores ficam na sua mesma altura. O som agora é dos pássaros, das gaivotas, numa sinfonia perfeita. O barulho do vento ecoa, para lá e para cá. O primeiro objetivo é atingido, o guindaste desliga seu motor e permite a seu mestre sua plenitude de contemplar. Olhos fixos sobre o horizonte, a respiração se torna mais lenta, suave, vai esvaziando seus pensamentos, suas preocupações, nada agora tem interferência, apenas o ser presente.
Chegada a hora de viver e se expressar. Posiciona seu galão de tinta ao lado esquerdo da sua cabine, os pinceis pendura perto da janela. Afivela seu mosquetão no lado direto e esquerdo, puxa e verifica se está seguro. Aperta o botão e a porta se abre, é hora de se aproximar. Pega seu galão com força, vira quarenta e cinco graus, respira, suspira e derrama sua primeira demão sobre a imensidão. Uma parte é preenchida, escorre, faz desenhos sobre a parte espessa, rugosa. O muro sem vida começa a ganhar uma história. O mestre aprecia cada etapa, espera, olha, observa, sente. O vento bate sobre o muro e cria uma atmosfera mudando os traços, espalha suas formas. O mestre se emociona ao viver uma realização de um sonho de criança, passa um filme. Pega um pincel grande e passa sobre o branco, forma novas formas, brinca com ele, passa de um lado e de outro, experimenta a sensação desse contato e começa a conhecer sua textura e o que ela proporciona. Uma sensação indescritível, é como limpar o que está fora de esquadro e sintonia dentro do seu corpo, da sua alma. É hora de fazer novos experimentos. Pega correndo mais um pincel, mergulha no azul turquesa e volta a cena. Agora são duas cores se entrelaçando, buscando uma afinidade e integração. Faz movimentos circulares, abaixa o pincel e levanta arrastando sobre o muro, vê uma forma para e observa. Acha linda aquela composição de duas cores, as novas formas que se formam e a sua energia que saiu e pousou sobre aquele pedacinho que aos poucos vai perdendo seu endurecimento. Se passaram duas horas, o sol começa a querer se por, a luz já vai ganhando novos tons. A cigarra dá seu sinal. Está chegando seu primeiro fim, o fim de um dia. De uma experiência única. O desvelar ritmado da alma. Naquele momento as emoções ficam sobre os desenhos ali impressos. Aguardando o novo começo. O mestre guarda seus pinceis, vai fechando seus galões, limpa sua camisa do borrão que se formou, fecha o galão com seus pés. Aperta o botão e a porta se fecha. O movimento agora é de descida, o barulho agora é do motor, as ruas começam a ganhar proximidade, as pessoas se mostram nos seus tamanhos reais, o barulho dos carros fica intenso, as luzes da cidade se acendem. O mestre abre seu cofre e guarda todas suas emoções e conquistas daquele momento tão lindo e profundo. Pincela fragmentos de sua alma e fecha com sua chave de ouro maciço. Amanhã quando o sol nascer a torre Eiffel anunciará seu retorno, ela espera ansiosa por novos momentos como esse de hoje. As Luzes se apagam, a cidade adormece, a paz se faz.
Autora:
Raquel Pádua
Delícia de texto!!! Sensível!!! Me transportou para Paris!!! Aguardando os próximos!
Que bom que gostou! Obrigada pela mensagem!
Texto muito bom. Muita criatividade. Parabéns.
Muito obrigada!