Introdução
“Dona Flor e Seus Dois Maridos” é uma das obras mais icônicas da literatura brasileira, escrita por Jorge Amado e publicada em 1966. A história se passa na cidade de Salvador, Bahia, e narra a vida de Dona Flor, uma mulher jovem e bela que se vê em um dilema inusitado: a morte de seu primeiro marido, Vadinho, um malandro boêmio, e a proposta de casamento do segundo, o pacato e respeitável farmacêutico Dr. Teodoro Madureira. A trama gira em torno do conflito interno de Dona Flor, que se vê dividida entre a paixão e a segurança proporcionada por seus dois maridos.
Neste texto, abordaremos como essa história ficcional se relaciona com o Direito de Família brasileiro atual, analisando aspectos como casamento, divórcio, união estável e a proteção dos direitos dos cônjuges, destacando as mudanças ocorridas na legislação brasileira desde o lançamento do livro até os dias atuais.
Casamento e a Escolha dos Cônjuges
Em “Dona Flor e Seus Dois Maridos”, a personagem principal, Dona Flor, enfrenta um dilema incomum: a possibilidade de ter dois maridos em momentos distintos de sua vida. O primeiro casamento de Dona Flor com Vadinho é marcado por paixão, mas também por instabilidade e irresponsabilidade financeira. Já o segundo casamento com Dr. Teodoro é baseado na segurança, estabilidade emocional e financeira. A escolha de Dona Flor entre seus dois maridos levanta questões sobre o livre arbítrio no casamento e a liberdade de escolha do parceiro.
No Brasil atual, o casamento é uma instituição civil regulamentada pelo Código Civil, que estabelece a igualdade de direitos e deveres entre os cônjuges. O livre consentimento para o casamento é garantido, e o divórcio foi facilitado com a Emenda Constitucional nº 66/2010, que extinguiu a necessidade de separação prévia de fato ou judicial antes de realizar o divórcio direto.
União Estável
Outro aspecto importante do livro é a relação de união estável entre Dona Flor e Vadinho. Apesar de não serem casados oficialmente, a convivência deles é reconhecida pela sociedade como uma união estável, caracterizada pela durabilidade, publicidade, e objetivo de constituir família. Na trama, Vadinho é visto como o “primeiro marido” de Dona Flor, apesar de não terem formalizado a união perante a lei.
No Direito de Família brasileiro atual, a união estável é reconhecida e protegida, conferindo aos companheiros diversos direitos e deveres semelhantes aos do casamento. Desde 2011, o Supremo Tribunal Federal equiparou os direitos sucessórios dos companheiros aos dos cônjuges, garantindo proteção e amparo ao parceiro sobrevivente em caso de falecimento.
Poligamia e Monogamia
Um dos pontos centrais da trama é a poligamia implícita na vida de Dona Flor, que viveu com dois maridos em momentos diferentes de sua vida. Enquanto a poligamia é uma prática social e culturalmente aceita em algumas sociedades, o Direito de Família brasileiro adotou a monogamia como regra desde a promulgação do Código Civil de 1916. O casamento monogâmico é o único reconhecido legalmente, e a bigamia e poligamia são consideradas ilícitas no Brasil, sujeitas a sanções legais.
A Evolução do Divórcio no Brasil
No contexto da obra, o divórcio era uma possibilidade remota para Dona Flor. A legislação brasileira originalmente previa a indissolubilidade do casamento, e o divórcio somente foi permitido em casos de comprovada culpa de um dos cônjuges, dificultando a dissolução do vínculo matrimonial e tornando o processo burocrático e demorado.
No entanto, ao longo do tempo, a visão sobre o divórcio mudou, e em 1977, a Emenda Constitucional nº 9 introduziu o divórcio no ordenamento jurídico brasileiro, permitindo a dissolução do casamento de forma mais simples e direta. Posteriormente, a Emenda Constitucional nº 66, em 2010, eliminou a necessidade de separação prévia, permitindo que os casais se divorciassem diretamente, agilizando o processo e garantindo mais autonomia para as partes envolvidas.
Proteção dos Direitos dos Cônjuges e Companheiros
No decorrer do livro, Jorge Amado retrata as dificuldades enfrentadas por Dona Flor após a morte de Vadinho, especialmente no aspecto financeiro. A situação de viuvez de Dona Flor levanta questões sobre a proteção dos direitos dos cônjuges sobreviventes no Brasil.
Atualmente, o Direito de Família brasileiro prevê a proteção dos direitos dos cônjuges e companheiros sobreviventes. Em caso de falecimento, o cônjuge ou companheiro tem direito a uma parte da herança, mesmo que o falecido não tenha deixado testamento. Essa proteção busca garantir a segurança financeira e o amparo do cônjuge sobrevivente após a perda do parceiro.
Considerações Finais
Em suma, o livro “Dona Flor e Seus Dois Maridos” de Jorge Amado, publicado em 1966, apresenta uma história envolvente que retrata aspectos complexos das relações amorosas, casamento, união estável e dilemas éticos. A correlação do livro com o Direito de Família brasileiro atual destaca a evolução da legislação ao longo dos anos, reconhecendo o direito de escolha dos cônjuges, a proteção da união estável e a facilitação do divórcio. As mudanças na legislação buscaram acompanhar as transformações sociais, promovendo maior igualdade e proteção dos direitos de todos os envolvidos.