Dizem que depois dos 60 anos, o corpo todo começa a doer. Quem não sente dores ao amanhecer, deve olhar ao redor. Se estiver entre nuvens ou labaredas, com certeza morreu! Porém, pior que sentir dores pelo corpo é ouvir as conversas que rolam na antessala dos consultórios médicos. É cada coisa que o povo fala que até o que não doía começa a doer. Parece competição para saber quem levou mais pontos, foi operado mais vezes, tem dores mais fortes ou conhece tratamentos alternativos. Sempre aparecem sugestões de tratamentos à base de chás, ervas, unguentos, emplasto, garrafada, elixir e até simpatias. Se sabem como tratar, por que vão ao médico?
O pedreiro Waldisney Silva, 78 anos, cabra arretado, é dos poucos homens na sala de espera. Chegou cedo e é o terceiro da fila. Enquanto aguarda, ouviu Sidileide ensinar à Jessivânia a receita de pomada de fígado de gambá com Espinheira Santa e Dente de Leão. Tiro e queda para hemorroidas. O marido tem problemas na próstata e melhorou com tônico à base de banha de urubu, Jurubeba gema de ovos de codorna e catuaba. Também fez crescer o cabelo e o sexo melhorou muito. Estão até pensando em vender o produto nos trens do Metrô.
A atendente chamou Waldisney para completar a ficha e perguntou qual é o problema. Ele falou que doí o ombro e o braço direito. Ela quis saber como começou, ele pensou e disse que foi por causa de uma coisa pessoal e íntima. Tentou obter detalhes, porém ele insistiu que só ia dizer ao doutor. Ela sorriu com ironia e sua mente poluída imaginou um montão de coisas íntimas. Anotou a HD – hipótese diagnóstica – na ficha e disse:
- Pode sentar senhor Waldisney. Logo a doutora irá atender.
- Doutora?
- O doutor Anacleto está numa emergência e quem vai atender é sua assistente, a doutora Clarice. Ela é muito sabida, viu!
Waldisney imaginou o constrangimento, mas chegou sua vez. Pensou em desistir, mas desistiu de desistir. A dor nem é forte, mas a limitação nos movimentos causa situações embaraçosas.
- Bom dia, eu sou a doutora Clarice. O que houve senhor Walt Disney?
- É Waldisney dotôra. O braço dói tudinho, do ombro até a mão. Também num consigo se abaixá direito e dói a base das costa.
- Como foi que isso aconteceu?
- Foi durante as intimidades. Eu senti a fisgada e agora num consigo mais fazê aquilo direito.
- O senhor é casado, tem 78 anos e ainda abusa das intimidades? Também pratica sexo solitário?
- Num faço isso desde os 14 anos dotôra, graças à Dorinha.
- Namorada?
- Não. Uma cabrita que ganhei do padrinho. Lá no sertão a gente..
- Já entendi. Poupe-me dos detalhes. Conte como foi a contusão.
- Então, na primeira e na segunda foi tranquilo, mas na terceira….
- Terceira? Nossa! Na sua idade? É sempre assim?
- Todo santo dia dotôra. Até a minha muié Romirda já se acostumô.
- Nossa! Bem, senhor Waldisney, eu recomendo que o senhor fale com sua esposa e mude de posição, entende? Se o senhor ficar com as costas no colchão, não fará esforço com os braços.
- Num tô intendendo, dotôra. O que a Romirda e o colchão tem a vê com meu pobrema. Eu sofro é com a atividade íntima.
- Mas não foi durante o sexo que o senhor luxou o braço?
- Não, dotôra. Eu fico até avexado di contá.
- Se o senhor não contar, não poderei ajudar!
- Eu sofro de intestino sorto. Vô ao banheiro 2 ou 3 veis por dia. Domingo, na terceira, o rolo de papel iscapô da mão, estiquei o braço prá pegá e senti a fisgada. Na hora de fazê meia vorta prá completá a higiene, eu senti dor nas costa e travô tudo.
- Sei. Por que o senhor não se higienizou com a outra mão.
- Eu tentei, mas num tô acostumado, errei na mira, a mão inroscô na tampa do vaso e o relógio caiu lá drento. Aí eu fui levantá prá pegá, apoiei na descarga e o relógio foi imbora junto. Presente da Romirda.
- Que chato! Mais algum problema?
- Sim. Tá difíciu abaixá, amarrá butina, o café dá queimação, sinto coceira no mucumbu, zumbido no ouvido e carne seca tá me dando azinha.
- É azia, senhor Waldisney. Acho que o senhor está com Lasefoia.
- O qui é isso dotôra?
- Síndrome de Lasefoia. La-se-foi a juventude, seu Waldisney! Seu problema é a idade. É veiera! Vamos fazer o seguinte: eu vou passar umas sessões de fisioterapia. As meninas são muito boas e vão ajudar a recuperar os movimentos do braço, mas o trabalho é lento e demora semanas para dar resultado.
- E enquanto isso? Como eu me limpo?
- As meninas vão treinar o senhor para usar a mão esquerda.
- Dotôra, agradeço, mas prefiro fazê no mato, arrastá sentado na grama e despois tomá banho. É muito vexame, nessa artura da vida, as menina tê qui me insina limpá as parte.
kkkkkkkkkkk
Aliás, é melhor não rir dos outros para não atacar a minha Lasefoia.
Isso mesmo Pascoal. Obrigado pelo comentário.
Que situação!!!!!! Seria trágica,se não fosse cômica,rsrs…
Obrigado Randoli
Muito boa crônica… pena a situação de quem tem… Parabéns.
Obrigado pelo comentário, Jorge
hh, muito bom!!! Realmente é mais ou menos nessa idade que começam a aparecer os problemas íntimos…
Obrigado, amigo.
Ô dó do seu Waldisney…
Lasefoia não livra ninguém!
Obrigado, Ita.