Rabindranath Tagore escreveu: “Se fechar a porta a todos os erros, a verdade ficará lá fora.”. Tais palavras de Tagore me fazem pensar na questão “verdade”. O que é a verdade, se não o que, da soma de uma sucessão de erros -se admitidos e bem “dissecados”- se revela? Em filosofia encontramos a palavra grega ?????, cuja transliteração é “epokhé” e que se traduz por “suspensão do juízo”. Os filósofos desenvolveram o referido conceito para gerar o princípio norteador de todo raciocínio genuinamente filosófico: imparcialidade. Em filosofia busca-se a suspensão do julgamento, admitindo, em toda e qualquer proposição, a possibilidade de ela ser verdadeira ou falsa. Deste modo, após fazer a proposição, o filósofo segue raciocinando sobre os prós e os contras; ele não busca confirmar alguma predileção sua, e sim, impedir que qualquer pendor pessoal interfira em sua busca pela aproximação máxima à alguma verdade. Não há como ser filósofo e, ao mesmo tempo, ser um apologista de alguma suposta verdade.Tal coisa fere o princípio fundamental do próprio filosofar e tem a ver não com filosofia, mas com religião, pois a religião possui “dogmas”, preceitos tidos como “Verdades Reveladas por algum DEUS” e, assim, não se admite questionamentos. Como poderia, o homem, infinitamente menos do que Deus _no caso daqueles que em “Deus” acreditam_ questionar se a Revelação de Deus aos homens é verdadeira ou falsa? Para o filósofo, porém, não há verdades inquestionáveis. Toda “verdade” é, a priori, tão-somente uma “interpretação da realidade”, mais ou menos aproximada. A apologia de alguma suposta verdade também pode se configurar como “ativismo intelectual”, coisa que se encontra em pensadores (não filósofos) como Deleuze, Hannah Arendt e outros. O ativismo intelectual não é negativo, mas um posicionamento marcadamente político, o que, em alguns contextos, torna-se necessário e mesmo urgente. Voltemos à questão da verdade: percebo que é gigantesca a quantidade de pessoas que não consegue fazer a devida distinção entre “realidade” (o fenômeno, a “coisa em si”) e “verdade” (evocação sobre algo; retorno conceitual em face da experiência; a “coisa em mim”, isto é, a minha interpretação da “coisa em si”). A “verdade” é do “plano mental” em relação ao meio, ao observado, enquanto a “realidade” é o próprio meio, é a coisa mesma que, pelo homem, é observada. Nossa observação é sempre limitada aos “dados colhidos até o momento”. As “verdades científicas”, por exemplo, se referem a coisas que “sabemos conforme os dados colhidos até então”, e dentro de um “recorte”, de maneira que, se alguma coisa diversa é descoberta, se um dado novo é acrescentado, alterando a ordem do até então admitido como “verdadeiro”, consequentemente essa “verdade científica” sobre a “realidade” é alterada. A “verdade científica” é muito mais uma “demonstração de que a ‘verdade científica’ anterior era falsa, do que uma demonstração da ‘veracidade de si mesma’ em face da realidade”. E o que é, por sua vez, a realidade?
Por mais que cientistas tentem fazer-nos crer _por acreditarem_ que a realidade é isto ou aquilo, desta ou daquela maneira, só nos é possível uma “aproximação conceitual”. É impossível conhecer plenamente a realidade de algo, pois o conhecimento é, sempre, empírico-subjetivo. A experiência independe de linguagem, mas o conhecimento a respeito da experiência só é possível mediante a linguagem. A linguagem, muito mais do que se referir à realidade, infere da realidade, para organiza-la em “gavetas hermenêuticas”. Toda a realidade que vivenciamos é um “reflexo no espelho, mais ou menos desfocado”. Enxergamos a realidade não diretamente, mas pelo “espelho da linguagem”, que tem relação direta às sensações. A linguagem infere, da “coisa em si”, conceitos, de maneira que, tudo o que sei sobre a “coisa em si”, é a partir da “coisa em mim”, da interpretação que faço da “coisa em si”. E convém salientar que, a minha interpretação da “coisa em si”, resulta de muitas interpretações que, da mesma “coisa em si”, outras tantas pessoas fizeram, porque a “linguagem é um fenômeno coletivo”. Sendo assim, parafraseando, digo que “toda conclusão nunca é, realmente, conclusiva”, pois se dá em limites linguísticos que, posteriormente, podem ser ultrapassados, sendo, essa possível ultrapassagem, semelhantemente limitada.
Devemos entender, o mais claramente possível, que a mente humana se originou, se desenvolveu e segue se desenvolvendo mediante nossa interação com o meio. A “linguagem-raciocínio”, partindo de experiências sensório-mnemônicas, tende mesmo ao erro e, em algum nível, erra sempre, em cada um de seus “acertos”, pois toda “verdade” é um “retorno conceitual sobre o objeto observado”, seja ele externo ou interno, é uma percepção, não uma total apreensão. Dessa percepção, somada a todo o seu “banco de imagens”, “de sons”, “de diversos tipos de informação”, o indivíduo constrói seu conceito sobre o real externo e sobre _se por assim dizer_ o real interno. Toda realidade é, portanto, subjetivada, e toda a subjetividade, por sua vez, é transportada à realidade, fundindo-se à esta. Há, sempre, em maior ou menor grau, uma subjetivação para fora, isto é, em relação às coisas externas, e uma subjetivação para dentro, isto é, em relação às coisas da (e na) própria consciência. A postura genuinamente científica não é aquela que visa demonstrar a realidade, mas aquela que busca a explicação o máximo aproximada possível à realidade, mediante experimentos e atenta observação dos mesmos.
Obs.: o presente artigo é parte do Curso de Formação em Psicanálise com Propedêutica à Neuropsiquiatria Analítica, por mim estruturado e ministrado.
Autor:
Cesar Tólmi – Psicanalista, filósofo, pós-graduando em Neurociência Clínica, artista plástico autodidata, jornalista, escritor e idealizador da Neuropsiquiatria Analítica, integrada aos campos clínico, forense, jurídico e social.
E-mail: cesartolmi.contato@gmail.com