Alice saiu da sala tranquilamente. Sim, por alguns momentos a raiva dominou seu ser, principalmente quando aquele matuto (mas será que era mesmo um matuto? Tudo indicava que aquele homem era bem mais do que aparentava…) dirigiu-se a ela, falando em sua língua nativa… afinal, quem era Zacarias, na realidade? Quando ia passando pelo salão viu o balcão de doces e não se conteve… um bolo de banana, recém saído do forno chamou a sua atenção. Pediu o doce…. e o comeu inteiro, sozinha. Como já havia dito antes, a professorinha era simplesmente louca por doces… e era a única coisa que a acalmava, quando alguma coisa a tirava do sério. Não era o caso, desta vez… ela saiu da sala de reunião porque realmente tinha algo a fazer… não tinha certeza sobre o que seria… as ideias estavam um pouco embaralhadas… era como se uma nuvem se espalhasse por toda a sua mente e não a deixasse pensar corretamente. Sim, ela sabia que tinha que fazer algo… mas, não… ela não tinha a menor noção sobre o que seria. Alice acabou de devorar o doce, pagou por ele, e ganhou as ruas. O tempo realmente não prometia nada de bom… os relâmpagos cortavam o céu de tal forma que pareciam querer romper o véu do firmamento. E o vento gelado vinha cortando tudo à sua frente. Mas, estranho, pensou a moça… para ela aquilo parecia tão reconfortante… sim, em uma situação normal ela poderia até estar apavorada, devido à fúria do tempo, mas estava estranhamente calma….
Sem perceber, caminhava em direção à saída da vila. Seus passos eram rápidos, decididos. E quando se deu conta, já estava fora da visão de alguém que porventura estivesse se aventurando pelas ruas do vilarejo. E, de repente, uma transformação começou a tomar conta da moça… sua tez tornou-se mais clara, seus cabelos cresceram um pouco mais, ela ficou um pouco mais alta do que já era, e suas roupas modificaram-se… o conjunto de saia e blusa azul que estava usando, todo bordado com flores e borboletas, tornou-se um vestido longo branco, quase translúcido… e, no final, uma luminosidade intensa circundou-a totalmente, deixando-a dentro de uma bola de fogo… que de forma alguma a magoava. Então, sem que se soubesse como, a bola de fogo ganhou os céus, cortando o manto negro da noite…
– Seu Zacarias, será que o senhor pode se explicar, por favor?
– O que aconteceu aqui? Porque a professora se foi?
– Pessoal, fiquem calmos… a professora tinha uma tarefa e foi cumpri-la….
– Mas que raio de tarefa era essa, seu Zacarias?
– No meio da noite? Com esse tempo?
– Quem seria doido de fazer o que quer que fosse com esse tempo? Com a ameaça de desabar um aguaceiro de uma hora para outra?
– Pessoal, não vai cair uma unica gota de água hoje…
– Como não? E essas nuvens carregadas, o que são?
– Não são chuva, isso eu posso afirmar para vocês…
– Então, o que é?
– Isso, meus amigos, é a manifestação do poder de Alice, a professorinha…
Um silêncio sepulcral tomou conta da sala. Todos ficaram sem entender exatamente o que Zacarias queria dizer com aquilo, mas o medo de saber a verdade os impedia de perguntar. E cada um deles ficava imerso em seus pensamentos… tentavam compreender as palavras de Zacarias, mas por mais que tentassem, nada fazia sentido… o primeiro a romper a calmaria forçada que imperava na sala foi Alberto…
– Mas que poder, Zacarias? Que loucura é essa?
– Doutor, sinto muito te dizer assim… mas a sua namorada é uma vampira… e hoje será a batalha entre nosso grupo e o dela…
A fala de Zacarias atingiu Alberto como um choque… ficou tão desconcertado com o que seu companheiro falou que não sabia o que falar… como assim, Alice era um “vampiro”? Vampiros não existem… e, se existissem, com certeza Alice não poderia ser um deles. Afinal, os dois passaram algumas horas agradáveis quando o sol ainda estava em seu ponto mais alto, e Alice se deliciava com o calor que emanava do mesmo… e, depois disso, ele a acompanhou até a Igreja, onde ela tomou a Santa Comunhão… não, Zacarias só poderia estar louco com a sua premissa…
– Seu Zacarias, o que o senhor está falando não tem sentido nenhum…
– E por que não, doutor?
– Ela vai à igreja… recebe a benção do padre… pode ficar no sol a vontade…
– E…?
– E, pelo que eu sei, essas criaturas não podem fazer isso…
– Quisera que fosse realmente assim, doutor Alberto… mas infelizmente, não é….a única coisa que tem o poder de parar esses seres, meu amigo… são balas de prata…
– Balas de prata? E por que?
– Porque, eu não sei… mas funciona…. e antes que vocês fiquem pensando muito… hoje vamos enfrentar dois lobisomens, três papafigos, um curupira… esse não é tão perigoso quanto os outros… só estará dando apoio aos monstros para que eles possam nos atacar… ah, sim, não posso me esquecer… dois boi-tatás e uma mula sem cabeça… estes ultimos dois são os mais perigosos… ah, é… estava me esquecendo… a gente vai enfrentar a maestrina dessa fuzurca toda, é claro… e adivinhem quem será?
– A professora?
– Não, minha gente… a professora não existe…. a gente vai enfrentar a vampira chefe…
– Mas… se o senhor sabe que ela é a chefe do grupo, e se ela já estava aqui… por que a deixou ir?
– Simples… para destruir a mulher de branco precisamos esperar que as duas partes estejam unidas… se destruirmos uma das partes apenas, na verdade não estamos destruindo nada… sua essência volta para o corpo não ferido, e depois de algum tempo o ciclo recomeça…
– Mas… onde a gente vai encontrar balas de prata essa hora? E como vamos encontrar a profes… a mulher de branco?
– Primeiro quero que vocês coloquem suas armas e munições sobre a mesa…
Todos estranharam o pedido… o primeiro a colocar suas armas sobre a mesa foi Zacarias, é claro. Desafivelou seu cinturão, arrumou sua faca junto aos revólveres e até o laço que usava na peleja do dia a dia foi depositado ali…
– Pessoal, prometi a vocês que hoje iriam presenciar uma transmutação… pois bem, vocês tem que confiar…
Meio sem saber se deveriam ou não obedecer as ordens de Zacarias, todos fizeram o que ele pediu… e logo a pilha de armas se fazia sobre a mesa… quando todos já estavam desarmados, chamou as três moças para perto de si… aí é que o grupo estranhou, mesmo… o que Zacarias esperava? Que em um passe de mágica as moças transformassem as coisas ao seu redor, como se tivessem o toque de Midas? Sim, a coisa estava cada vez mais surreal… a cada segundo que passava, Alberto sentia que ali não era o seu lugar… ele era um homem da ciência… e aquilo ia contra tudo o que ele, por anos , aprendera e praticara… Duarte realmente não sabia o que pensar… e por esse motivo resolveu não pensar em nada. O que viesse à frente, enfrentaria. E, Juvêncio… bem, Juvêncio esperava alguma coisa do tipo acontecer desde o dia em que colocou os pés naquela cidade. Ele sabia que nada ali era o que parecia. E isso estava se provando agora…
– Bem… e agora?
Era Duarte, tentando saber qual o próximo passo… Zacarias não respondeu… limitou-se a pedir às moças que estendessem as mãos sobre a mesa, e que recitassem umas palavras que ele falaria… e assim foi feito… no final, quando todos foram pegar suas armas de volta… a surpresa estampou-se no rosto de todos…. afinal o chumbo se tornara prata….
Autora:
Tania Miranda