Refém de um contrato cheio de irregularidades, um modelo operacional ineficaz, e péssima qualidade do serviço, população sofre com o transporte coletivo
O atual contrato de licitação do transporte público vigente na cidade foi assinado em 2008, ele foi criado, na teoria, para passar para as empresas não só o lucro do transporte público, mas também seu prejuízo, e garantir a qualidade do serviço prestado. Em entrevista, o engenheiro civil com especialização em transporte,
Silvestre de Andrade Puty Filho, explica o contrato como sendo um modelo de concessão histórico no país, onde é entregue um serviço público nas mãos da iniciativa privada para que ele possa ser explorado sob determinadas regras e deveres pré-estabelecidos.
Em contato com usuários frequentes do transporte público na cidade de BH, as coisas parecem ser bem diferentes do que o estipulado pelo contrato. Dentre diversas pontuações sobre o serviço, as principais reclamações são: Péssima qualidade dos veículos, superlotação, demora, e até mesmo o não cumprimento de horários. Em contraponto ao levantamento dessas questões, Silvestre de Andrade Puty Filho argumenta que esses problemas atuais do transporte público na cidade passam por dificuldades decorrentes do período de pandemia e de obstáculos financeiros que o país vem sofrendo nos últimos anos. É fato que uma pandemia sem precedentes potencializou os problemas no transporte coletivo, mas para o usuário, essas questões já são tão comuns que é até mesmo difícil datar quando elas começaram.
Mesmo havendo base no próprio contrato para diversos graus de punições justificado pelo não cumprimento dos deveres por parte das empresas, não há esforço da BHTrans, órgão responsável pela fiscalização, para medidas mais severas. Segundo o portal “Revista do Ônibus”, 15 das 40 empresas de transporte público que operam com a licitação na cidade devem somados R$380 milhões em multas e processos trabalhistas, mas mesmo assim continuam funcionando normalmente.
Essa impunidade do sistema com as empresas de transporte foi construída de propósito. De acordo com o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) em acesso aos documentos sobre o contrato de licitação, eles afirmam que o processo foi “fraudado e de fachada”. Não houve concorrência devida durante as negociações, assim também como diversas irregularidades jurídicas, o que exemplifica um modelo corrompido que visa em primeiro lugar os interesses das empresas, e não o da população que é quem mais necessita de um serviço de qualidade.
Poder Público x Iniciativa Privada
A Prefeitura junto a Câmara Municipal criaram um projeto de lei que foi promulgado no dia 24 de Maio, que tem como objetivo destinar R$237,7 milhões em subsídios para as empresas que operam o transporte público na cidade no decorrer de um ano. As condições são de que essas empresas congelem o preço da passagem durante esse período e voltem com a circulação total dos veículos.
Ainda assim, não há garantia de que as concessionárias cumprirão esses critérios, e essa é uma preocupação que o Léo do movimento Tarifa Zero BH pontua, em entrevista ele afirma que “Não há nenhuma garantia. A prefeitura nunca se dispôs a discutir o assunto e, diante do colapso do sistema, foi anunciado um subsídio emergencial, sem contrapartidas relevantes e, pior, sem punição das empresas em caso de descumprimento do acordo, o repasse de recursos poderá ser interrompido, mas não há nenhum tipo de multa ou desconto aplicado às parcelas futuras”.
Todas essas questões pontuadas continuam acontecendo devido ao contrato e modelo operacional atual utilizado, mesmo sendo incentivado por Constituição Federal (Art. 30), é consenso para especialistas e ativistas do transporte público que este modelo é ultrapassado. As propostas de soluções são diversas, por exemplo, o movimento Tarifa Zero BH, que luta pela gratuidade da passagem, argumenta que uma possível solução seria “fatiar” os contratos, de uma maneira que impeça a concentração de poder sobre o serviço nas mãos de poucas empresas.
Outra proposta de solução, que vai na estrutura do problema, é defendida pelo engenheiro e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Eduardo Serra, seria a retirada total da iniciativa privada da operação e a estatização do serviço, pois segundo ele as empresas independentemente da situação visam somente o lucro, e por isso jamais atenderia às necessidades da população em primeiro lugar.
Os desafios e problemas do transporte coletivo na cidade de Belo Horizonte são imensos, enquanto se discute fraudes envolvendo contratos, modelos ultrapassados e possíveis soluções, as pessoas continuam sofrendo para utilizar um bem público que deveria ser fundamental para a população.
Nota: A BHTrans, órgão responsável pela fiscalização do transporte público em Belo Horizonte e o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belo Horizonte (SETRABH), foram contatadas sobre os pontos discutidos na matéria, assim como o ponto de vista das organizações. Até o presente momento ambas as instituições não responderam.
Autor:
Davison Henrique da Silva