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De quem é a razão?

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As tensões existentes entre Ucrânia e Rússia não datam de agora, elas já vêm de muito tempo. A guerra que assistimos hoje não é nada mais do que resultado de antigas e novas políticas de dominação que envolvem o território ucraniano. É importante lembrar que o território da Ucrânia desde o século XVIII pertencia ao antigo Império Russo ou Império dos Czares e assim permaneceu até a Revolução Bolchevic de 1917, que simboliza o avento do movimento socialista no mundo e ao mesmo tempo da formação do antigo Império Soviético ou da ex-União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – URSS, no leste da Europa.

Em 1918 setores sociais ucranianos foram de fundamental importância para a derrota das tropas do Exército Branco, que pretendiam acabar com o processo revolucionário; assim, no mesmo ano a Ucrânia consegue sua independência, adotando o modelo socialista, uma vez que os setores sociais que lutaram durante a Guerra Civil Russa (1918-1922), faziam parte das fileiras do Exército Vermelho (Bolchevic). Entretanto, em 1924, a República Socialista Soviética da Ucrânia aderiu à URSS e nessa estrutura permaneceu até o colapso soviético em 1991. Nesse ano, uma nova independência foi conseguida pela Ucrânia, dando-se o nome à praça de Maidan, como Praça da Liberdade, também denominada Praça da Independência.

Faz-se importante ressaltar que o georgiano Josef Stálin (1879-1953) durante o seu governo (1924-1953) implementou a política da russificação, devendo ser entendida aqui enquanto o processo de formação do aparato institucional do Estado soviético, mas que também a partir de 1927 irá consistir na etnicização da vida política na URSS, ou seja, no espalhamento do povo russo por todo o território, fundando o predomínio russo sobre toda a dimensão territorial – uma espécie do russo como “cultura-rei”, criando assim argumentos de caráter étnico-nacionalista.

A grande “mãe Rússia” fazia sentir seu domínio. Essa questão, praticamente, só se tornou conhecida para o mundo ocidental após a desintegração da Soviética em 1991. Stálin sabia que as nacionalidades que compunham as federações do Estado Soviético apresentavam profundas diferenças, e que mais cedo ou mais tarde, um conflito étnico poderia eclodir, logo, era preciso promover e garantir a centralização do poder.

Por outro lado, há ainda a questão estratégica do território da Ucrânia tanto para a Rússia quanto para a Europa Ocidental. Durante a existência do grande Império Soviético (ex-URSS), logo, da famosa Guerra Fria, isto é, do conflito político-militar e ideológico entre os dois blocos de poder do pós 2ª Grande Guerra Mundial (1939-1945) – o ocidental capitalista sobre o domínio dos Estados Unidos – EUA e o oriental socialista soviético sobre a influência da URSS. A divisão do globo/mundo em dois: Capitalismo versus Socialismo no pós-guerra, não foi apenas uma questão do ponto de vista ideológico ou imaginário, percebeu uma materialidade concreta; seu maior símbolo foi a construção do Muro de Berlim (1961) – oficialmente denominado Muro de Proteção Antifascista, construído em um único dia (madrugada de 13 de agosto), pelo governo da antiga República Democrática da Alemanha (RDA/ex-Alemanha Oriental). O muro circundava toda a cidade de Berlim Ocidental, que internamente fora dividida em três zonas de influencias geopolíticas: Norte Americana, Britânica e Francesa. A Queda do Muro de Berlim ocorrida na noite do dia 09 de novembro de 1989, abre os caminhos para a Unificação da Alemanha e, posteriormente, o colapso da Império Soviético.

Neste sentido, o governo de Moscou, portanto, buscará construir áreas de defesas para o seu território, e assim 4 (quatro) das 15 (quinze) repúblicas que formavam a URSS se destacaram enquanto o locais com o maior arsenal bélico do Estado Soviético, foram elas: Rússia, Ucrânia, Bielo-Rússia (hoje Belarus) e Cazaquistão.

Mapa político da Europa

Fonte: https://www.todamateria.com.br/mapa-da-europa/

A importância estratégica da Ucrânia para a Europa Ocidental e a Rússia, dá-se pelo fato de ser pelo seu território que passam os gasodutos que fornecem o combustível à Europa, transformando assim os protestos em foco, em questões de interesse político e econômico das potências do ocidente e da Rússia. A Rússia é o maior país da Europa e do mundo, sua área geográfica é de 17. 098. 242 Km², é rico em petróleo e é o maior fornecedor de gás do continente europeu. Ressalta-se ainda que o Kremlim já não exerce mais influencias sobre algumas ex-repúblicas, a exemplo da Lituânia, Letônia e Estônia, hoje membros da EU e da OTAN. Por outro lado, portanto, é certo que, não fosse sua importância estratégica, com toda certeza a humanidade não estaria assistindo a esse conflito.

Com o fim da URSS em dezembro de 1991, as 4 ex-repúblicas anteriormente citadas (Rússia, Ucrânia, Belarus e Cazaquistão) herdam o poderio militar do antigo Império Soviético. A partir de então a Rússia – a grande herdeira do Império, irá buscar de todas as formas manter sua influência sobre os territórios da antiga União Soviética, afinal a nacionalidade russa está presente em todas as antigas repúblicas, daí a criação em 1992 da Comunidade dos Estados Independentes – CEI. O território ucraniano faz fronteira com a Europa Ocidental de um lado e de outro com a Rússia, portanto, Moscou jamais irá aceitar que seu território fique sob riscos e/ou uma possível tutela de influência norte-americana via a Organização do Tratado do Atlântico Norte-OTAN (1949) – Aliança militar do ocidente sobre o comando dos EUA e da Grã-Bretanha – , que continua existindo, mesmo após o fim do Pacto de Varsóvia – aliança militar oriental, extinta em 1991, junto com o colapso soviético. O governo de Moscou se opõe fortemente a que Ucrânia, ou qualquer outra ex-república soviética, ingresse na Aliança Atlântica ou mesmo na União Européia.

Vale ressalta que a Ucrânia mesmo tento experenciado um grande nível de industrialização durante o período da URSS, a população ucraniana vivenciou períodos de graves crises sociais. Na década de 1930, a república passou pela chamada coletivização das terras, período em que houve intensa resistência camponesa, e a requisição forçada de cereais por parte do governo de Moscou resultou na morte de aproximadamente cinco milhões de pessoas.

Um outro fato importante que coloca a Ucrânia em destaque no curso da geopolítica internacional, foi o acidente na usina nuclear de Chernobyl no ano de 1986, atingindo principalmente os territórios ucraniano, bielorrusso e russo, e que resultou na evacuação de significativas extensões de terras nessas repúblicas. Na atualidade, a preocupação é com a usina de Zaporizhzhia, que é a maior da Europa, e está sob o domínio de tropas russas, mas está sendo operada por técnicos ucranianos. Segundo Rafael Grossi, diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica, vinculada às Nações Unidas, a integridade física da usina foi afetada por bombardeios.

Desde o colapso soviético diversas regiões nos territórios de várias ex-repúblicas começaram a perceber a eclosão de conflitos nacionalistas, entre estes, a Ucrânia mais uma vez ganha destaque, pois desde sua independência em 1991 vem oscilando entre o Ocidente e a Rússia, por outro lado, as regiões de Luhansk, Donetsk e Crimeia, localizados do oriental do território apresentam uma maioria de nacionalidade russa. A Crimeia soma-se ainda a espinhosa disputa sobre a distribuição da antiga frota soviética no Mar Negro, ancorada no porto de Sebastopol. A propriedade da maioria dos navios ainda é do Kremlin, mas o governo de Moscou pagará à Ucrânia um aluguel modesto pelo uso do porto de Sebastopol.

No dia de 05 de dezembro do ano de 1994, é assinado o Memorando de Budapeste (Hungria), sobre garantias de segurança. De acordo com o Memorando os países signatário Rússia, Ucrânia, Belarus, Cazaquistão, Estados Unidos e Reino Unido, comprometem-se em respeitar a independência, a soberania e as fronteiras da Ucrânia, em troca do abandono das armas atômicas herdadas da União Soviética.

O governo de Kiev no ano de 2003, assina um acordo com Rússia, Belarus e Cazaquistão para a criação de um Espaço Econômico Comum. O referido acordo recebe imediata reação por parte da União Europeia, que reage afirmando que o acordo traz dificuldades à aproximação da Ucrânia com o bloco e sua integração à Organização Mundial do Comércio (OMC).

Entre os anos de 2004 e 2005 a Ucrânia vivenciou a famosa Revolução Laranja, quando começou a viver uma onda de protestos, motivados por fatores de ordem diversas, tanto de caráter socioeconômico, quanto político-cultural, onde pode-se destacar o agravamento das desigualdades sociais, a corrupção, o sucateamento dos serviços públicos, a pobreza e o desemprego. As revoltas ocorridas foram uma reação da população às denuncias de corrupção e fraude eleitoral direta ocorridas durante as eleições presidenciais do país em 2004. O acontecimento histórico levou a deposição do presidente eleito Viktor Yanukovych. As tensões geradas pelas manifestações levaram a anulação do resultado das eleições, tendo-se promovido a realização de um novo pleito eleitoral. Após a realização de novas eleições gerais no país, Viktor Yushchenko, considerado pró-ocidente, tem sua vitória garantida com 52% das intenções de votos. A Revolução Laranja logrou êxito, e no dia 23 de janeiro de 2005, em Kiev, Yushchenko tem sua posse oficializada.

Os líderes dos países da OTAN no ano de 2008, reunidos na cúpula de Bucareste, concordam com que a Ucrânia tem vocação para ingressar na Aliança Atlântica, o que provoca a ira de Moscou. Além disso entre os anos de 2006 a 2009, Rússia e Ucrânia travam várias guerras político-comerciais, onde uma delas foi a do gás, que interrompeu o abastecimento de energia da Europa.

Em novembro 2013 a Ucrânia enfrenta novamente uma série de eventos e protestos políticos que se espalharam pelo país, a partir da capital Kiev, tendo como principal palco a Praça da Independência (Maidan), era a eclosão da denominada Revolução da Dignidade. As manifestações ficaram conhecidas como Euromaidan, uma vez que no plano político foram motivadas pelo fato do presidente Viktor Yanukovych (pró-Rússia), ter decidido não assinar o acordo com a União Europeia, buscando reforçar as relações com a Rússia. A intensificação da crise política levou a queda do presidente Yanukovych; dias mais tarde, promoveu-se a formação de um novo governo interino, apoiado por grupos de centro-direitadireitacentro-esquerda e até de extrema-direita, todos unidos contra o poder russo. Yanukovych foge para Rússia, acusado de ter responsabilidade sob a morte de manifestantes durante os protestos contra seu governo, e passa a ser cidadão procurado na Ucrânia.

Com a deposição do governo, uma série de mudanças começam a ocorrer no país, em rápida sucessão, no sistema sociopolítico da Ucrânia, onde inclui-se a formação de novo governo interino, a restauração das emendas constitucionais de 2004 e a realização de novas eleições presidenciais, de onde sai vitorioso o candidato da oposição pró-ocidentalPetro Poroshenko. Neste sentido, mais uma vez o candidato pró-ocidente sai vitorioso, a Revolução da Dignidade, continuação da Revolução Laranja alcança resultado positivo, mesmo que para isso, tenha custado o sacrifício da vida de diversos cidadãos ucranianos. Contudo, a resposta do Kremlin, entenda-se do governo de Vladimir Putin não demorou. Moscou destaca tropas militares, que apoiadas por separatistas pró-russos efetuaram a ocupação do território da Península da Crimeia, localizado as margens do Mar Negro, onde encontram-se diversos navios de guerra russos, dentre outras embarcações estacionados.

Neste sentido, os conflitos internos vivenciados pela Ucrânia apresentam relações diretas com as divisões geográficas e culturais do país, como também com a conjuntura política e socioeconômica nacional e internacional. No que tange as realidades geográfica e culturais, a Ucrânia Central e Ocidental apresentam relações mais próxima à Europa, onde historicamente existe uma tradição cultural ucraniana. A Ucrânia do Sul e do Leste está mais próxima à Rússia – herdeira da ex-URSS, e sua população é de maioria russa, logo, os territórios do Sul e Leste da Ucrânia são separatistas e defendem uma unificação com a Rússia, enquanto as regiões do Centro e do Oeste são nacionalistas, defendendo a independência do país. Essa divisão traduz-se nitidamente no apoio ou não as ações do governo de Moscou.

Em 2008, na cúpula de Bucareste, os líderes dos países da OTAN concordam com que a Ucrânia tem vocação para ingressar na Aliança Atlântica, o que provoca a ira de Moscou. Rússia e Ucrânia travam várias guerras político-comerciais. Uma delas foi a do gás, de 2006 a 2009, que interrompeu o abastecimento de energia da Europa.

Em 21 de fevereiro de 2022, o presidente Vladimir Putin, após concentrar dezenas de milhares de soldados em sua fronteira com a Ucrânia reconhece a independência de Donetsk e de Luhansk e ordena o destacamento de tropas para estes territórios. Na madrugada do dia 24 de fevereiro, Putin anuncia uma “operação militar” na Ucrânia, descrita como uma “invasão em grande escala” pelo então ministro ucraniano das Relações Exteriores.

Portanto, em síntese, a razão da invasão ucraniana pelas tropas de Vladimir Putin, é multifatorial. Logo, Enquanto o governo do presidente Volodimir Zelensky da Ucrânia insistir em aproximar o país das forças da OTAN e da União Européia, chegando ao ponto desastroso e incoerente de pedir que forças ocidentais promovam uma reação militar às ações russas, provocando ainda mais a revolta de Moscou, que, por sua vez não medirá esforças para lograr seu intento geopolítico.

Neste interim não se trata de quem está com a razão no conflito entre Ucrânia e Rússia, pois o mesmo não é bom para nenhum dos dois lados, especialmente à população civil da Ucrânia, que mesmo sendo uma das herdeiras do poder bélico da ex-URSS, não detém o aparato militar necessário que seja capaz de enfrentar e impor uma derrota à Rússia, o que só pode ocorrer se houver ajuda do ocidente, mas isso, coloca em risco não a Ucrânia, mas sim todo o globo terrestre, diante da decretação de uma possível guerra nuclear – a tão assustadora 3ª Guerra Mundial. Resta saber se as atuais potências atômicas (EUA, Rússia, China, Grã-Bretanha, França, Israel, Índia, Paquistão, Coréia do Norte) do globo estão dispostas, também, a se autodestruírem.

Autor:

Ângelo R. de Carvalho, é doutorando em Educação pela Universidade de Brasília (UnB) e o Professor de Geografia do Instituto Federal do Pará – Campus Castanhal.

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