Inicialmente percebemos que o Peculato é o crime que consiste na subtração ou desvio, por abuso de confiança, de dinheiro público ou de coisa móvel apreciável, para proveito próprio ou alheio, por funcionário público que os administra ou guarda; abuso de confiança pública. Historicamente, o crime de peculato estava contido no direito romano, e quem subtraísse do Estado sofria sanções, como o trabalho nas minas e até mesmo penas de caráter capital, como a morte. Não se punia em razão da qualidade do sujeito, mas pela condição da coisa pública desviada ou subtraída.
No ordenamento jurídico, atualmente, giza o artigo 312 do nosso Código penal Brasileiro:
“Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:
Pena – reclusão, de dois a doze anos, e multa.”.
Todavia pode-se compreender, portanto, se tratar de figura própria de crime contra a Administração Pública. O qual seria a apropriação indébita pratica pelo funcionário público, em razão de seu ofício. No entanto, não se pode afirmar que a natureza da apropriação indébita e o peculato tenham os mesmos elementos estruturais, pois, no peculato o sujeito ativo do crime é funcionário público, exigindo-se desta qualidade especial para que se configure o crime.
Assim, nada impediria quanto à aplicação do concurso de pessoas com o particular, desde que saiba da condição de funcionário público para que seja devidamente aplicado. O particular que sabe da qualidade funcional do agente e que concorre para o crime também responderá por peculato, pois a circunstância (ser funcionário público) é elementar desse delito.
A tutela jurídica na esfera penal é a Administração Pública, no que diz respeito ao patrimônio e a preservação do erário, como em seu aspecto moral proveniente de elementos específicos, como lealdade e probidade dos representantes públicos. A proteção bem particular também deverá ser guiada no mesmo sentido, no entanto, exige-se que tais bens estejam confiados à guarda da Administração Pública, inclusive, a doutrina denomina-se como peculato malversação.
Ex.: “Peculato-Malversação é o caso do funcionário público que tem a posse de um carro particular que foi apreendido em uma blitz da polícia e, simplesmente, se torna “dono” de referido objeto, passando a utilizá-lo e guardá-lo em sua residência como se fosse seu, desgastando-o e deteriorando-o.”.
Interessante denotar, quanto à existência de espécies de peculato presente num único dispositivo legal. Para fins didáticos sobre o assunto, existem três espécies de peculato na modalidade dolosa e uma espécie na modalidade culposa:
a) Peculato Apropriação
b) Peculato Desvio
c) Peculato Furto (peculato impróprio)
d) Peculato Estelionato ou mediante erro de outrem (art. 313, do CP)
e) Peculato culposo
O Peculato Apropriação, relaciona-se o funcionário público na posição ou condição de cargo emprego ou função pública, apresentando como se dono fosse do objeto de dinheiro, valor ou qualquer outro bem de natureza móvel, público ou particular. Desta forma, o sujeito passivo detém da coisa objeto da apropriação de forma lícita.
No que diz respeito ao dinheiro objeto material do delito, devemos observar que será indiferente quando se trata de crime de apropriação de dinheiro, afastando-se a ideia da fungibilidade, ou seja, o funcionário público cometerá o crime de peculato apropriação da mesma forma quando apropria de dinheiro público de que tem a posse, mesmo que se pretenda devolvê-lo.
Há outra questão instigante no que se refere quanto à aplicação ou não do artigo 16 do Código Penal, especificamente, do arrependimento posterior nos crimes de peculato apropriação.
Sendo aplicável o arrependimento posterior, visto que o crime de peculato apropriação não há violência ou grave ameaça, no entanto, deverá o agente cumprir as condições previstas no artigo 16 do CP. Devendo reparar o dano ou restituir a coisa, até o recebimento da denúncia ou queixa, de forma espontânea.
Ademais, o Superior Tribunal de Justiça na maioria dos casos, tem aplicado a sua jurisprudência pacífica, qual seja, que a incidência do instituto do arrependimento posterior pressupõe a integral reparação do dano antes do recebimento da denúncia, cuja fração de diminuição de pena será fixada de acordo com o aspecto temporal entre a prática do ilícito e a conduta voluntária do agente em restituir à vítima o seu prejuízo.
É de extrema relevância que o agente do crime tenha a posse para consumação do delito, pois, caso contrário aplica-se a tentativa, conforme inteligência do artigo 14, II, do Código Penal. A expressão “posse” deve ser concebida em sentido amplo, ou seja, inclui a disponibilidade jurídica do bem.
O Peculato Desvio é o ato de desviar tem um significado relevante para fins penais. Caracteriza-se por peculato desvio quando o funcionário público dá atribuição diversa do objeto que lhe foi determinado, seja em proveito próprio ou de outrem, em razão do cargo, emprego ou função.
Em verdade, trata-se do simples uso irregular da coisa pública. Por exemplo, desviar verba para construir uma estrada ou obra pública, que objetiva construir em sua fazenda para seu proveito próprio ou de um amigo político; desviar um recurso público que promoveria projetos culturais para um casamento.
A consumação do crime de peculato-desvio (art. 312, caput, 2ª parte, do CP) ocorre no momento em que o funcionário efetivamente desvia o dinheiro, valor ou outro bem móvel, em proveito próprio ou de terceiros, ainda que não obtenha a vantagem indevida.
Se o Funcionário que recebe dinheiro ou outro valor de particular e aplica na própria repartição, via de consequência comete o crime de peculato, na modalidade desvio, tendo em vista que o valor foi destinado ao Estado, não cabendo ao funcionário público promovê-lo sem a devida autorização legal, qualquer que seja sua finalidade.
O Peculato Furto (peculato impróprio), furto está previsto no § 1º do Artigo 312 do CP, “in verbis”:
§ 1º – Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário.
A conduta consubstancia-se no ato de subtrair, ou seja, tirar de quem tem a posse ou a propriedade, sendo inexigível que o funcionário público tenha o bem sob sua guarda, que por si só, configura como crime. Portanto, trata-se da subtração da coisa sob guarda ou custódia da Administração Pública, no entanto, o funcionário público utiliza-se de seu cargo, emprego ou função, agindo por sua vontade consciente de subtração ou mesmo que concorra para que seja subtraída, seja para si ou para outrem, determinada coisa, independentemente se a referida coisa seja de natureza pública ou privada, desde que esta esteja sob guarda do ente público, conforme mencionado.
Denota-se que, a intenção do funcionário público é não devolver a coisa ao seu proprietário. Para fins práticos, imagine um funcionário público que ingressa numa repartição pública mediante destruição ou rompimento de obstáculo com o objetivo de subtrair um computador de propriedade do órgão.
Ocorre que neste caso hipoteticamente mencionado, o funcionário público não comete o crime de peculato furto, tendo em vista que ao adentrar numa determinada repartição pública por meio destruição ou rompimento de obstáculo, como arrombamento da porta, o funcionário não se vale da qualidade de seu cargo, emprego ou função para consumar o delito, logo, comete o crime de furto qualificado.
Diferentemente, no mesmo exemplo mencionado, o funcionário público por trabalhar em determinada função específica furta de forma direta e objetiva equipamentos de informática ao término do seu expediente, levando para sua residência.
Observa-se, portanto, que houve a consumação do delito ao retirar o objeto da repartição pública às escondidas, diante da vantagem de laborar como funcionário público, elemento normativo essencial para a referida qualidade.
Quanto ao elemento subjetivo, exige-se a presença do dolo, manifestando o autor do delito pela vontade livre e consciente quanto a prática criminosa. O crime se consuma com efetiva subtração da coisa. No tocante a tentativa do delito é possível, desde que vislumbrada a interrupção do inter criminis.
O Peculato Estelionato ou mediante erro de outrem (art. 313, do CP), acordo com o artigo 313, do Código Penal:
“Apropriar-se de dinheiro ou qualquer utilidade que, no exercício do cargo, recebeu por erro de outrem.
Pena: Reclusão, de um a quatro anos e multa.”.
Trata-se de crime proveniente da captação indevida por parte do funcionário público, de dinheiro ou qualquer outra utilidade mediante o aproveitamento ou manutenção do erro alheio.
Vale lembrar que, da mesma forma que o crime de estelionato, exige-se o erro, mas, não deve ser considerado como a mesma espécie de crime, visto ser uma modalidade especial de apropriação de coisa havida por erro, pois o sujeito ativo do crime ser funcionário público, que age prevalecendo de sua atividade.
O objeto material do crime é dinheiro ou qualquer outra utilidade. Note-se que, a expressão “qualquer utilidade” revelando em sentido amplo e geral, cabendo ao aplicador da lei, asseverar quanto ao aspecto interpretativo, podendo observar somente ao fator econômico, representado por qualquer bem de cunho material, desde que haja vantagem para o funcionário público, haja vista que o núcleo do crime é o recebimento mediante erro de outrem.
Admite-se ao crime na forma tentada. Quanto ao elemento subjetivo, deverá estar presente o dolo genérico que consistente na vontade livre e consciente de apropriar-se de coisa havida por erro, durante o exercício da função pública.
Ademais, a existência do dolo deve ser considerada no momento do recebimento do bem empossado pelo funcionário público, proveniente do erro de outrem.
O crime de peculato apropriação mediante erro de outrem de ação penal pública incondicionada. O crime se consuma quando se aperfeiçoa a conduta dolosa do terceiro, pois há uma relação de causa e efeito, ou seja, o vínculo de natureza objetiva entre o comportamento culposo e a atuação dolosa empreendida pelo terceiro. Ademais, não poderá existir acordo entre o funcionário e o terceiro, pois se assim houver, se caracterizará por crime de peculato doloso.
Não haverá crime tentado nesta modalidade de peculato culposo. Se o crime praticado por terceiro ficar na fase da tentativa, via de consequência, o funcionário público que agiu de forma culposa não responde especificamente por peculato culposo.
Não se podemos deixar de narrar que existe causa de extinção da punibilidade ou de redução da pena no crime de Peculato Culposo, desta forma trazemos à baila o art. 312, § 3º, do CP, que transmite dois momentos com efeitos jurídicos diversos no tocante a reparação do dano decorrente do crime de peculato, antes e após o trânsito em julgado da condenação:
a) Reparação do dano antes do trânsito em julgado da condenação:
O efeito em concreto decorrerá como causa extintiva da punibilidade, ainda que não esteja prevista no rol taxativo do art. 107 do CP. Em verdade, trata-se da aplicação do princípio da boa-fé, devido ao agente público reconhecer, ainda que de forma tácita, sua culpa, reparando pelo prejuízo ocasionado antes que lhe seja condenado, sendo inclusive, vantajoso para a Administração Pública, ao invés de esperar todo o tramite processual para ser devidamente ressarcida.
b) Reparação do dano após o trânsito em julgado da condenação:
Nesta hipótese, se o funcionário público reparar o dano ao erário, via de consequência, ocorrerá a minimização diante de eventual condenação, sentença reduz de metade da pena imposta, cabendo ao juiz da execução penal aplicar o redutor da pena, por ter cessado a atividade jurisdicional do juiz da condenação.
No crime de peculato culposo, a ação penal é pública incondicionada.
Aplica-se o princípio da insignificância no crime de peculato? Diversas decisões judiciais têm sedimentado de forma pacífica que, o princípio da insignificância é inaplicável aos crimes cometidos contra a Administração Pública em geral, incluindo ao crime de peculato.
Pode o particular ser autor de crimes de peculato? O particular pode ser sujeito ativo do crime de peculato, se agir em concurso de agentes com servidor público, no caso de o particular estar ciente dessa condição do comparsa.
O que é peculato culposo e doloso? No peculato culposo, se o agente restitui a coisa ou valor antes da sentença IRRECORRÍVEL, ele é isento de pena, se a restituição é posterior a sentença tem a redução da metade da pena. Já no peculato doloso, se opera o arrependimento eficaz e posterior comum do CP.
Autor:
Renildo Navaes, Advogado