Partindo do ponto em que a Constituição intitula saúde como um direito de todos e um dever estatal, e que esta é garantida mediante políticas públicas que vão inibir ou atenuar iniquidades em saúde, é possível identificar falhas no cumprimento total desta lei uma vez que existem grupos marginalizados, excluídos e vulneráveis, como a População em Situação de Rua (PSR) que não usufruem deste direito (BARATA et al., 2015; SANTANA, 2014). Assim, é possível notar críticas e falhas, pois é inatingível para grande parte da população, ainda mais aqueles que se encontram face ao descaso estatal e vulnerabilidades sociais, como a PSR (SANTANA, 2014).
Em 2008 foi implementada a Política Nacional para Inclusão Social da População em Situação de rua pela esfera federal, elaborada por ministérios e movimentos sociais, articulando distintos setores no cuidado a esse público (BRASIL, 2008). O Sistema único de Assistência Social (SUAS), por meio de serviços contidos nos níveis de Proteção Especial de média e alta complexidade (CNAS, 2009) estabeleceu diferentes serviços para responder às demandas específicas deste público. Além disso, no Sistema Único de Saúde (SUS), em 2012, foi proposto a estratégia Consultório na Rua, vinculada à Atenção Básica para ampliar os serviços à PSR (BRASIL, 2012).
A junção de diferentes setores do Estado para o enfrentamento de um problema social de grande complexidade se conceitua como intersetorialidade (ANDRADE, 2006). Esta intersetorialidade exige conexões entre os setores e órgãos para que seja viabilizado políticas públicas a fim de promover a saúde e a equidade entre públicos mais vulneráveis (ANDRADE, 2006). O fenômeno da intersetorialidade ganha visibilidade nos anos 1970, a partir dos debates sobre a promoção da saúde no âmbito da atenção básica (BORYSOW; FURTADO, 2014) entretanto, verifica-se dificuldades em estabelecer ações intersetoriais entre os responsáveis pela Seguridade Social (MONNERATI; SOUZA, 2011).
É válido enfatizar que a ação conjunta de vários atores sociais pode contribuir para a resolutividade e integralidade das práticas realizadas pelos profissionais de saúde. Assim, em busca da consolidação de propostas que alcancem a PSR, vários atores são acionados para a busca de garantias dos direitos desta população (PAULA et al., 2017). Entretanto, as ações intersetoriais vinculadas a atenção básica são dificultadas, por muitas vezes, devido às exigências para o atendimento à PSR feitas por alguns serviços, como a existência de endereço fixo ou a apresentação em perfeitas condições de higiene que são incompatíveis com essa clientela e só evidenciam a necessidade da busca de mais explicações sobre as questões que determinam a resistência apresentada pelos profissionais que atuam nos referidos serviços (BORYSOW; FURTADO, 2014).
Essa falha no processo de intersetorialidade pode inferir diretamente na busca seletiva de determinados serviços pela PSR, uma vez que o fluxo não é bem estabelecido e os setores sociais e de saúde não estabelecem as devidas conexões entre eles (BRASIL, 2012). Os Consultórios de Rua, por exemplo, foram implementados como política de saúde pública voltadas para este público, de forma a diminuir as desigualdades e iniquidades do acesso aos serviços públicos vinculados a APS (PAULA et al., 2017). Essa estratégia contempla o processo de intersetorialidade, uma vez que abrange diversos profissionais incluindo saúde e assistência social neste setor de acolhimento (BRASIL, 2012).
Entretanto, a literatura aponta que a estratégia ainda encontra-se incipiente devendo ser ampliada dentro da sociedade para atenderem as demandas específicas da PSR, bem como a formação, no âmbito da educação continuada, em saúde coletiva e saúde mental para atuar junto às pessoas de rua, intensificando o trabalho nas comunidades com os demais atores sociais (SILVA; FRAZÃO; LINHARES, 2014).
Em virtude deste cenário apresentado, conclui-se que é necessário o estabelecimento de vínculos baseados em conhecimentos científicos com a PSR, a fim de orientar esse público dentro de redes de atenção interligadas, uma vez que essa população encontra-se a margem da sociedade e muitas vezes não possui registros, residência fixa entre outros documentos dificultando o acesso desse público à esta rede de forma igualitária (BORYSOW; FURTADO, 2014; MELO et al., 2022; LIRA et al., 2019)
Autora:
Bárbara Ingrid de Souza Silva, graduanda de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais.