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segunda-feira, 29 de julho de 2024

O que somos capazes de fazer… Caso: Rio Nilo

Dois rios disputam o título para serem os maiores do mundo: Amazonas e Nilo.

Amazonas, nasce no rio Apurímac (Cordilheira dos Andes no sul do Perú) e após percorrer 6.992,06 km, deságua cerca de 210.000 m³/s, no Oceano Atlântico sendo campeão quando se fala em volume (cerca de 74 vezes mais do que o rio Nilo).

O rio Nilo, campeão na extensão, com cerca de 7.088 km (95,9km mais comprido que o Amazonas), nasce no rio Rukarara e deságua 2.830m³/s no Mediterrâneo. Além de ser o mais extenso é associado ao desenvolvimento histórico da humanidade.

Quem não escutou falar das pirâmides do Egito, de Tutancâmon (1.341 a.C.-1 323 a.C.) e Cleópatra (69 a.C.-31 a.C.) só para citar os mais conhecidos. Essas civilizações foram possíveis principalmente por causa da agricultura, que por sua vez, teve uma dependência direta do rio Nilo, graças às inundações temporárias, na época das cheias, fertilizando naturalmente as terras e garantindo assim uma colheita farta. O “agronegócio” era desenvolvido a todo vapor no Egito, durante milênios, embora a palavra agronegócio ainda não fazia parte do vocabulário dos faraós…

Mas, porque o sistema agrícola entrou em colapso?

Basicamente por falta de um estudo prévio dos impactos ambientais ou pela falta de um entendimento da dinâmica ecológica, mas mesmo assim, construiu-se a represa de Assuâ, distante 950km de Cairo, rio acima para garantir a independência energética.

A repesa interrompeu o fenômeno das inundações temporárias e também, o fato das águas terem a sua velocidade diminuída (por causa da barragem), boa parte do rico material orgânico que o rio transportava, ficou(a) depositado no fundo da represa e, a água, segue adiante “mais limpa” ou seja, com menos nutrientes. Isso causou o colapso nas terras, antes férteis e inundáveis. Como consequência, verificou-se um decréscimo da fertilidade de terras agrícolas no delta do Nilo, que, até então se beneficiava dos milhões de toneladas de limo depositadas anualmente durante as cheias do rio.

Outro fato relevante é que o rio, ao não transportar mais nutrientes, teve e ainda tem como consequência, o declínio dos cardumes de peixes (anchovas) no Mediterrâneo, uma vez que refletiu diretamente na cadeia alimentar e afetando muitos países que tiravam dali o seu pescado. Assim, de 200mil toneladas de sardinhas que eram pescadas agora pesca-se menos de 67mil toneladas. Não se pode deixar de registrar que a diminuição da oferta de peixes também é consequência de vários outros fatores.

Outro efeito negativo, agora para os seres humanos, foi a difusão da esquistossomose pelos caracóis que viviam no sistema de irrigação criado pela barragem.

Hoje, nas minhas andanças ao longo do Rio Nilo, na parte baixa, verifiquei que os agricultores sofrem, bombeando água, tentando assim garantir a sua sub existência. Por outro lado, diga-se de passagem, a represa acabou com as devastadoras cheias do Nilo além de recuperar, barragem acima, mais de 400 mil km2 de terras desérticas para o plantio e no Lago Nasser, propicia o desenvolvimento da pesca.

Como esse impacto rio abaixo poderia ser evitado/amenizado?

O interesse de ser independente energeticamente (o que é compreensível), não mediu esforços e, talvez negligenciou ou, melhor dizendo, não foi considerado o fato da

fertilização dos solos localizados rio abaixo (à jusante) e da importância do transporte de nutrientes ao Mediterrâneo.

Poderiam ter implantado um sistema que a água fosse liberada pelas turbinas, advindas do fundo da barragem (onde hoje é depositado o material orgânico). Isso amenizaria a questão do empobrecimento das águas e, essa serviria para a fertilização das terras, além de continuar enriquecendo o Mediterrâneo com nutrientes.

Obviamente tem a questão dos custos desse sistema. Quem pagaria por isso? É justamente essa visão imediatista, que impede esse tipo de ação.

Nessa e em outras obras semelhantes (inclusive aqui no Brasil) não se considera os prejuízos ambientais e sociais, que acontecerão ao longo dos anos, após a barragem ter sido construída.

Seguramente, se formos computar todos esses prejuízos, perceber-se-ia que esses são superiores à economia feito na época da construção. É justamente essa visão holística e orgânica que é desconsiderada.

O interessante é que, essa mesma falta de visão, se repete em praticamente todas as obras semelhantes ao Assuã. No Brasil teríamos muitos exemplos a serem citados, a começar, pela falta de escadas nas barragens para os peixes poderem subir o rio, durante a piracema e assim desovarem, o que reflete numa perda de uma importante fonte proteica (os peixes), refletindo em importantes e significativos impactos sociais.

Além da questão das escadas, outras alterações no ecossistema aquático acontecem, por exemplo, não se verifica mais a presença de lagoas marginais, onde, muitas espécies de peixes, vão procriar, o que significa empobrecimento da biomassa de peixes.

Cabe então, levar mais a sério os estudos dos impactos, ANTES de qualquer alteração, por mais emergencial ou benéfica que a obra seja (hidroelétricas X energia por exemplo). Temos que considerar todos os fatores, inclusive (e principalmente) se haverá benefícios ambientais e sociais coletivos!

Como, no Brasil, a ideia é represar praticamente todos os rios, já que o país tem a água como principal fonte de geração de energia, devemos sim, colocar na balança o que deve ser considerado evitando assim, de termos mais “Belmontes” onde poucos faturaram muito e o prejuízo tenha sido democratizado.

Cabe deixar registrado que Belmonte, no rio Xingú, só fornece energia se tiver água suficiente para gerar todas as turbinas (detalhe esse esquecido quando foi aprovado a obra). Uma usina com custo de construção estimado em 19 milhões, já gastou mais de 40 bilhões e ainda não produz a energia correspondente! Isso sem comentar os impactos ambientais e sociais gerados!

Triste sina.

Temos que entender que, embora nos julguemos “sapiens”, estamos longe de honrarmos esse título, mas que isso deve mudar… urgentemente!

Autor:

Prof. Biólogo Geraldo G.J.Eysink
Para sugerir ou criticar mande Email: geraldo@hc2solucoes.com.br Abril, 2022

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