Verão de 1889. O Rio de Janeiro sem chuvas, a população amargava chafarizes sem água para abastecer suas casas. As endemias proliferavam com a higiene deficiente e o calor intenso. Ruy Barbosa no Diário de Notícias não poupava o governo, tanto o presidente do Conselho de Ministros, Visconde de Ouro Preto, quanto o Imperador que, em Petrópolis, vivia seus últimos dias na pátria que soube honrar até sua morte, mesmo tendo sido exilado, em novembro daquele ano.
No auge do desespero da população, um engenheiro, então com 29 anos, professor da Escola Politécnica, noticiou pelo jornal, que poderia aduzir água para os reservatórios da cidade, permanentemente, em 6 dias. A notícia chegou ao conhecimento de Pedro I, que ao receber confirmação do atrevido engenheiro, mandou que com ele, se fizesse, por garantia, draconiano contrato. Em 6 dias a população do Rio de Janeiro tinha água abundante. Ali nascia a Engenharia Nacional.
Problema de engenharia, pela engenharia foi resolvido quando um governante sensato o entendeu.
Desbarrancamentos, desabamentos, barragens que se desfazem, viadutos que esfarinham como se fossem de açúcar, rochas que se desprendem, crateras que se abrem no meio das cidades. Populações urbanas em desespero. Ontem, Ouro Preto, cidades baianas, mineiras. Para quem tem melhor memória, Friburgo, Teresópolis, morro do Bumba, em Niterói. São tantas as ocorrências de fatos “inesperados”, mas de tão grande frequência, que passamos a acreditar que são inevitáveis, naturais, como se fossem ocorrências telúricas, como vulcões, terremotos, tsunamis.
A permanência do homo sapiens neste planeta, espalhado por todas as coordenadas geográficas, tem se dado pela sua capacidade de adaptação às mais variadas condições ambientais, não apenas pela via biológica, essa lenta, mas pela utilização de vestimentas, equipamentos e modificações do microclima.
Os problemas elencados são do domínio da engenharia e das profissões que lhe são conexas, a geologia, a meteorologia, a geografia – alguns criados por elas mesmas. Cabe-lhes resolvê-los, basta acioná-las, dar-lhes os meios para que possam pôr em prática o que sabem fazer. Em duas ocasiões nestas Crônicas, sugeri que isso fosse assumido pelo Sistema Confea-Crea por este reunir estrutura física e humana para operar como agência reguladora de controle e fiscalização de riscos. Parcelamento e fiscalização do uso do solo urbano têm que ser feitos por quem entende em profundidade dos fenômenos que originam os desastres que estamos assistindo.
Qualquer assunto tratado no Brasil de hoje está eivado de carga político-ideológica, o que dificulta sua visão clara e objetiva, o que pode, de fato, impedir a solução de problemas. O atual, consequências do que parece ser um agravamento da rudeza climática do planeta tem sido atribuído a causas antrópicas – aquecimento global por concentração de carbono etc. Outras correntes ideológicas, movidas por interesses distintos negam essas evidências e argumentam com a existência de grandes ciclos climatológicos por que passa a Terra, por razões cósmicas, universais.
Engenheiros perguntarão se há registros hidrológicas de chuvas como as atuais e com que recorrência, se as obras de drenagem e contenção levaram em conta esses registros. Preto no branco, lógica, discernimento.
Ações inteligentes evitarão tragédias. A engenharia pode prever e evitar catástrofes e mitigá-las quando isso não for possível, cabendo-lhe articular com a Defesa Civil, previamente, medidas de socorro.
As notícias que me chegam de Petrópolis têm tornado estes dias muito tristes para mim. levando-me à depressão, na medida em que me tocam cordas não adormecidas e sensíveis do passado.
Tenho por Petrópolis o mesmo sentimento que guardo por Leopoldina, em Minas. Em cada uma dessas cidades se revelaram rumos definidores da minha vida. Na mineira encontrei a companheira definitiva e ideal da jornada que dura 60 anos, com bons frutos. Petrópolis abriu-me as portas da academia. Ambas as situações me surgiram do “bom acaso”, não pretendidas. Destino, afirmam os fatalistas.
Certo sábado, início dos anos 60, recebi comissão de ex-alunos, recém ingressados na engenharia da Universidade Católica de Petrópolis, informando-me que tinham me indicado para assumir uma das cadeiras de Matemática no curso de engenharia daquela universidade. “Vocês ficaram doidos”, lhes disse, de pronto.
Relataram que estavam em greve e que exigiam outros docentes para algumas matérias. O Impasse durava semanas. Pressionado, o Reitor pediu-lhes nomes. Era difícil deslocar professores do Rio, existiam 2 ou 3 cursos de engenharia na região, para darem aulas em Petrópolis. Fui professor de alguns do grupo em preparatórios para vestibular, artistas da sala de aula, dominava bem os conteúdos da matemática para engenheiros, por conta dos grandes mestres que tinha frequentado.
Fiz-lhes entender que Petrópolis estava a uma hora do Rio, que economicamente era desvantajoso, que eu já tocava minha própria empresa e estava me afastando das aulas nos cursinhos. Que eu era apenas engenheiro.
Quarta-feira recebi, ligação do Reitor Sá Earp convidando-me a ir a Petrópolis. A grade horária foi ajustada para que eu subisse a serra apenas uma vez por semana, às quartas.
Tenho sido engenheiro e professor. Na academia, engenheiro-professor, aos jovens engenheiros que ingressam na academia, reflitam e evitem ser professores-engenheiros. Sutil, mas importante!
Crônicas da Madrugada.
Autor:
Danilo Sili Borges, membro da Academia Rotaria de Letras do Distrito Federal. ABROL BRASÍLIA. Brasília – Fev. 2022