O pronunciamento de final de ano do Messias — estou falando do Jair — nos trouxe à memória um dos maiores representantes do samba brasileiro e componente do grupo Fundos de Quintal, o saudoso Almir de Souza Serra, conhecido como Almir Guineto.
Não investiguei a crença de Guineto nem se era homofóbico, machista, adepto da teocracia fundamentalista ou coisa parecida. Ao que tudo indica, deveria ser deísta, já que contestava o uso de Deus para justificar as coisas ruins. Em uma de suas canções, “Saco Cheio”, fica claramente a indignação: “Tudo que se faz na Terra se coloca Deus no meio. Deus já deve estar de saco cheio”.
Quanto a Guineto, se é que seja possível, deve ter dado um ataque de raiva quando ouviu o Messias — me refiro ao Jair —, dizer: “Quis Deus que eu ocupasse — coloquei com cedilha por ter certeza que o orador não sabe gramática da Língua Portuguesa — a Presidência em 2019…”.
O nome de quem escreveu o pronunciamento não foi divulgado. O Messias é que não foi. Ao que se pode concluir, foi algum mentiroso. Talvez nem seja o pobre coitado culpado das mentiras postas na fala. É possível até que tenha dado algumas gargalhadas pensando: ‘acredite se quiser’.
Ponto marcante pode ser percebido em seguida. Impeachmou Deus afirmando: “Formamos um ministério com pessoas capazes para enfrentar a todos os desafios … alguns nos deixaram … outros foram substituídos por não se adequarem aos propósitos da maioria que me elegeu”. Será que os que deixaram os cargos ou foram substituídos discordam de Deus ou de Jair? Se for de Deus são descrentes. Se for do Jair, são inteligentes. Mas há quem o deixou por conta do desejo de poder. O inquisidor da Lava Jato, por exemplo.
Não é possível uma conclusão plausível, mas se a chegada de Messias (o Jair) ao poder foi vontade de Deus, então é d’Ele que discordam.
Sem a intenção de discutir religião, principalmente fundamentalista, podemos analisar que, até Deus sofreu impeachment na vida dos humanos conforme pode ser visto no livro de 1 Samuel 8:20, quando o povo de Israel, em revolta contra Deus pede um rei para o governar clamando “Queremos um Rei … como todas as nações têm”. Mesmo depois de terem sido libertos da escravidão do Egito. Os israelitas se lascaram por essa iniciativa. Parece que os brasileiros que elegeram o Messias também. Aliás, até quem não o elegeu acabou se desbeiçando.
Entretanto, o pronunciamento foi uma loucura. Afinal de contas, Jair pôde enumerar seus feitos como presidente. Alguns nem precisariam ser mencionados, pois, quem se informa sabe que maior parte de leis aprovadas no país, por meio de voto comprado a congressistas, racharam a vida do povo. A reforma da previdência, por exemplo, embora ele não a tenha mencionado. Reescrevendo Rubens Ricupero, ‘o que é bom a gente fatura; o que é muito ruim (o muito é por nossa conta), a gente esconde’.
Além da Lei da Liberdade Econômica — leia-se ‘lasquei os pobres’ —, obras interessantes ressurgiram (se ressurgiram é pelo fato de existirem antes dele); deu liberdade para os latifundiários matarem; concluiu obras praticamente prontas do governo que combateu e ajudou no assalto da cadeira presidencial (inaugurou, inclusive, outras inacabadas da transposição do Rio São Francisco); sonhou que entregou moradias ao povo; afirmou ser contrário ao combate ao Covid-19 (na verdade seu intento era que morressem pelo menos quinze milhões de pessoas formalmente empregadas, pois isso resolveria parte dos problemas de desemprego); vangloriou-se da vacinação contra a Covid-19 apesar de ser a favor da vacinação natural do ‘rebanho’; mostrou-se contrário à vacinação de crianças; com a maior cara-de-pau afirma que criou empregos.
Talvez a maior falácia tenha sido o penúltimo parágrafo do que escreveram para ele ler: “Hoje temos um governo que acredita em Deus, respeita seus militares, defende a família e deve lealdade ao seu povo”, o que classifica os governantes anteriores como descrentes, desrespeitosos aos militares, contrários à família — mesmo que tenha desfeito duas até o presente momento —, e desleais ao povo. Verdadeiro hipócrita.
Mas Deus nos ordena a orar pelos governantes. Não vi escrito ‘para’, mas pelos. Para o bem do país. Não para o bem dos governantes.
E o presidente começou o ano internado. Mas não desejo o pior para ele. Que Deus o ajude na recuperação de sua saúde. Que viva muito para que veja de pé a vitória do povo brasileiro.
Autor:
Pedro Paulino da Silva, graduado em Ciências Sociais e Mestre em Educação.