Inicio a crônica desta semana, ressaltando que não sofro de xenofobia e entendo que o intercâmbio com profissionais de outros países, independente das áreas, é profícuo e deve ser sempre buscado. No entanto, no caso específico do futebol, a busca por treinadores estrangeiros me parece muito mais uma moda do que uma ação que se faz a partir de um planejamento ou de uma convicção.
Vejamos nosso passado recente. Após o vexame na Copa de 2014, a moda que imperou foi a de estigmatizar treinadores mais experientes e apostar em técnicos mais jovens. Joel Santana, o maior vencedor de títulos estaduais, foi esquecido. Luxemburgo, com tantas conquistas e inovações táticas, tornou-se um dinossauro. Abel Braga, contratado atualmente pelo Fluminense, entrou na categoria de ultrapassado após trabalhos sem êxito no Cruzeiro e no Vasco e de não ter encaixado o time do Flamengo no início de 2019. No entanto, no ano seguinte, treinou a mediana equipe do Internacional, que deixou o título do Campeonato Brasileiro escapar na derradeira rodada.
Neste ano, 2022, Abel retornou ao Fluminense, os dirigentes se movimentaram bastante na pré-temporada e o tricolor trouxe reforços que podem dar liga. Por sinal, este é o desafio não só do Abelão, mas de todos os treinadores que chegam aos seus novos clubes e iniciam o trabalho, como também daqueles que tiveram suas equipes desconfiguradas de uma temporada para outra: transformar os diversos jogadores em uma equipe competitiva.
Retornando à onda dos novos treinadores em detrimento dos mais velhos. Destes alguns conseguiram realizar bons trabalhos e continuam no mercado, outros simplesmente desapareceram das principais competições nacionais. Da mesma forma que ocorre com os atletas, poucos são os treinadores que conseguem realmente vingar e fazer sucesso longevo na carreira.
Nos últimos anos, uma nova moda foi criada, a partir da vitoriosa passagem de Jorge Jesus pelo Flamengo em 2019 e do ciclo vencedor de Abel Ferreira no Palmeiras, a do treinador estrangeiro. Nesta nova mania “fashion week” a importância recai na nacionalidade e no passaporte do exterior e não no projeto que deveria embasar o trabalho.
Mais uma vez Abel Braga e o Internacional servem para a argumentação. Antes da finalização do Campeonato Brasileiro de 2020, os dirigentes da equipe gaúcha foram atrás de Miguel Ángel Ramírez para o lugar do técnico brasileiro. O treinador espanhol, que fez sucesso no Independiente del Valle do Equador, foi contratado para o início da nova temporada. No entanto, a equipe de Abel arrancou na competição e passou a disputar o título. Surgiu então o primeiro dilema caso o título fosse obtido: o de demitir o treinador que, além da vitoriosa história no clube, seria o atual campeão nacional.
Abel Braga foi substituído pelo espanhol no início de 2021. No entanto, não havia, por parte do clube, a convicção no projeto que Ramírez pretendia implantar. Em outras palavras, seria o modelo de jogo proposto pelo novo treinador era o desejado pela equipe colorada? Ou os dirigentes se fiaram apenas na boa temporada de 2019 que o jovem treinador espanhol realizou no time equatoriano quando conquistou a Copa Sul-Americana, por sinal seu único título?
Acredito que Ramírez precisava de tempo e também de material humano para maturar suas ideias, porém, como é comum no futebol brasileiro, os resultados é que ditam a permanência ou não do profissional. A regra vale tanto para os profissionais nascidos no país como também no exterior. Como eles não vieram de imediato, o espanhol foi substituído pelo uruguaio Diego Aguirre, que, ao meu ver, é um treinador, até o momento, sem muito brilho.
Apesar de alguns forasteiros terem ganho os holofotes e ditado a moda, como Jesus, Abel Ferreira e Juan Pablo Vojvoda, a maior parte fracassou. Além de Ramírez e Aguirre, podemos destacar o espanhol Domènec Torrent no Flamengo, os argentinos Ariel Holan no Santos, Hernán Crespo no São Paulo e Diego Dabove no Bahia e os portugueses António Oliveira no Athletico Paranaense e Jesualdo Ferreira no Santos.
Nesta semana, tive a oportunidade de finalizar o livro escrito por Daniel Fieldsend que tem como título “A escola europeia: os segredos e métodos de sucesso do futebol no Velho Continente”. Da leitura é possível depreender que na Europa, nos clubes mais estruturados, o treinador é encarado como uma figura extremamente importante e sua escolha se baseia no projeto do clube e isso gera uma maior estabilidade e melhores condições para trabalhar em comparação ao Brasil.
Outro aspecto muito importante e que deve ser destacado é que há uma maior preocupação com as categorias de base, em particular, com a integração da filosofia de trabalho e de jogo desde os times de baixo até a equipe profissional. Segundo Albert Capellas, coordenador das categorias de base do Barcelona, o sonho da equipe da Catalunha é contar com metade do time proveniente das categorias de base, “isso porque são jogadores que conhecem a cultura do clube e já chegam como produto do tempo investido neles”.
Mas, para que isso ocorra, conclusão óbvia, é preciso construir a tal filosofia de trabalho e de estilo de jogo. Definido estes pontos, eles precisam ser implantados, seguidos e treinados desde as categorias mais tenras até o profissional. Por sinal, essa foi a política implantada em 2001 pela confederação alemã de futebol e que resultou na conquista do título mundial em 2014. Pouquíssimas equipes brasileiras, se houver alguma, trabalham desta forma.
O futebol não é o terreno dos mistérios, o treinador para fazer um bom trabalho precisará de tempo. O que aconteceu entre o português Jorge Jesus e o Flamengo é raro. Por isto, contar com um projeto de longo prazo, com um estilo de jogo integrado da base ao profissional pode reduzir o tempo necessário para o sucesso da equipe principal.
Finalmente, o descrédito que recai sobre os nossos treinadores passa, certamente, pelos vícios existentes no futebol nacional, em particular, a dança das cadeiras. Ao ser demitido de um clube, os treinadores de ponta sabiam que logo seriam contratados por outra agremiação. Sem tempo ou acomodados, não investiam no aprimoramento, na atualização.
A vinda dos profissionais estrangeiros deu uma chacoalhada na mesmice. Com o aumento da concorrência, os nossos treinadores perceberam que a sobrevivência no novo mercado passará também pela qualificação e instrução. Como ressaltou Fábio Sormani: “Cabe a eles mudar esse status quo. Mas é preciso se esforçar, estudar, mergulhar na profissão à procura do saber, do novo”. A qualificação permanente é a regra para todos os profissionais e ela também vale para os treinadores de futebol.
Autor:
Luiz Henrique Borges