Uma sutil lembrança

Acreditei sinceramente que nunca mais voltaria a ver-te. Fixada como uma larva à intimidade de meu ser, guardei reclusa sua memória. Guardei o amor que te dediquei sorrindo; as lágrimas que por ti chorei sem que ninguém as visse; os silêncios, que, entre nós, vivi sem que outrem cogitasse….

Guardei-te, menino, como uma joia a quem o tempo de claustro e silêncio lentamente vai roubando o brilho. Guardei a noite de Natal que passei contigo e o jantar de núpcias que vivemos juntos. Como um segredo de mulher, guardei o nome que me deste, amor. E, como tal, nos olhos guardei o brilho que me davas.

Assim vivi minha vida, até que, fortuitamente, tanto tempo após a tempestade, vi vez mais uma, o céu estremecer-se todo ante um vento de outono.

Era uma segunda e eu, como todos ali, caminhava rumo a um destino sem caminhos. Multidões sinuosas se aglutinavam à espera no ônibus, quando, entre elas, divisei seu rosto.

Me olhaste e eu a ti te olhei.

Lembranças sem nome eu vi nos contornos ignorados de um corpo que somente eu conhecia, e marcas ignotas, que para mim se faziam desconhecidas….-recortes seriam do amor de outrem-.

Pensei se deveria falar-te, deixar correr uma palavra solta de uma saudação corrida…cogitei se algo haveria mais para falarmos…

Só houve silêncio.

Passei por ti e estendi-te a mão em um aceno. Os olhos apertaste em retribuição quieta.

Chegou meu ônibus. Nele subi sem dizer palavra e, vez mais uma, parti sem de ti ouvir o “adeus”.

Autoria:

Ariel Von Ocker (nome social de Gabriel Felipe Montes Lima) é escritor, psicanalista, poliglota e acadêmico de Letras e História. Também já trabalhou no teatro como dramaturgo e ator. Com catorze anos escreveu seu primeiro romance e por anos seguiu escrevendo sem publicar, até que em 2021 se torna colunista no maior blog sobre psicanálise em língua portuguesa com o texto de estreia Representações Sobre o Feminino: Um Olhar Histórico. Atualmente se dedica à formação acadêmica e à divulgação da arte e do conhecimento.