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quinta-feira, 25 de abril de 2024

O Cético e o Mercedes-Benz

Uma vidente, na TV, fazia previsões para 2022. Nem ouvi quais eram, pois não acredito na capacidade de prever o futuro. Pior: certos vaticínios, para mim, são inutilidades que nos roubam o senso do presente. É como no final do livro A Hora da Estrela, de Clarice Lispector: madama Carlota, que enxerga o amanhã com a ajuda de um baralho, diz a Macabéa, a desafortunada personagem central, que esta vai conhecer um gringo endinheirado: “Esse estrangeiro vai se chamar Hans, e é ele quem vai se casar com você! Ele tem muito dinheiro, todos os gringos são ricos. Se não me engano, e nunca me engano, ele vai lhe dar muito amor…” Mas a pitonisa de meia-tigela se engana, e Macabéa, coitada, ao sair da consulta emocionada com o que lhe fora revelado pelas cartas, atravessa a rua com o pensamento em Hans e é atropelada por – ironia das ironias – um Mercedes-Benz.

esse meu ceticismo com premonições vem desde pequeno. Cresci vendo meu pai desafiar, em frente à TV, as Cassandras de auditório a dar uma prova singela de seus dons: fornecer os números da loteria. Provocação irrespondível, eu pensava. “Se consegue mesmo prever o futuro, por que não diz as dezenas do próximo sorteio?”, eis o que todo descrente repete à exaustão. Há, porém, um detalhe para o qual só fui atentar muitos anos depois: se alguém soubesse antecipadamente o resultado de jogos de azar, qual seria a vantagem em divulgá-lo?! Receber uma ninharia decorrente da divisão da bolada pelo número excessivo de acertadores? E se mesmo a aposta em silêncio fosse inviável em face de alguma premonição de tragédia relacionada ao dinheiro? Já não houve milionários da Mega-sena assassinados? Quantas disputas e infortúnios não são motivados pelos bens materiais? Por essas e outras, deixei de utilizar o milenar desafio da loteria para desmoralizar videntes.

O que desacredita os profetas de dezembro, no meu entender, é a vagueza de suas previsões. Por outro lado, essa mesma obscuridade é o que os salva. Quando preveem, por exemplo, que alguém famoso vai morrer de forma trágica, estão dizendo nada e tudo ao mesmo tempo. Sabem que terão o ceticismo de muita gente, mas contam com a certeza de que não poderão ser desmentidos.

Aproveitando a época das vidências, também faço minha previsão vaporosa. No próximo ano, nenhuma das pessoas que conheço será atropelada por um Mercedes-Benz. De toda sorte, meus amigos, considerando que os dois últimos anos foram meio doidos, cuidem-se e olhem para os dois lados antes de atravessarem ruas. Feliz 2022.

Autor:

Ataíde Menezes

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