Nos últimos dias, por meio de decisão monocrática, o Ministro Edson Fachin (STF)
anulou as condenações decorrentes de processos que tramitaram perante a 13ª vara federal
de Curitiba envolvendo o ex-presidente Lula.
A saber, o impasse de Lula com a justiça brasileira estimula automaticamente discussões
jurídicas, em que dois temas ganham destaque: a figura do juiz natural e do lawfare no
Brasil.
O fato é que para compreender a dinâmica dos fatos de um ponto de vista legal, é
fundamental realizar uma análise do contexto das condenações e dos efeitos legais
trazidos pela decisão do Ministro do STF.
O que diz a decisão e quais os seus efeitos?
Resumidamente, na decisão, a 13ª vara federal de Curitiba foi declarada incompetente
para julgar os processos que nela tramitaram em desfavor de Lula.
Essa decisão na prática ‘‘derruba’’ as condenações em face do ex-presidente nas seguintes
ações penais:
• Ação Penal 5046512-94.2016.4.04.7000/PR (Triplex do Guarujá)
• AP 5021365-32.2017.4.04.7000/PR (Sítio de Atibaia)
• APS 5063130-17.2018.4.04.7000/PR (sede do Instituto Lula)
• AP 5044305-83.2020.4.04.7000/PR (doações ao Instituto Lula)
Com efeito, direitos políticos que haviam sido suspensos e que tornaram o ex-presidente
inelegível em 2018, em razão de condenação em segunda instância, foram devolvidos.
Por esse motivo, Lula atualmente não possui impedimentos para se candidatar às eleições
de 2022, o que poderá mudar caso o ex-presidente seja eventualmente condenado em
segunda instância.
Por fim, Fachin determinou que os processos contra o petista serão remetidos à Justiça
Federal do Distrito Federal. O que significa que a investigação e todas as fases processuais
deverão ser refeitas do zero.
A incompetência do foro de Curitiba
A princípio, a incompetência da 13ª vara federal de Curitiba já havia sido arguida pela
defesa de Lula e, inclusive, pelo procurador Celso Tres, considerado o ‘‘pai’’ da operação
‘‘Lava Jato’’.
O então procurador afirma que nunca houve elementos que vinculassem o foro de Curitiba
aos casos envolvendo o ex-presidente Lula, já que a capital não é a sede da Petrobrás (que
é objeto da lava jato), não é a sede da administração pública federal e tampouco do
exercício funcional dos políticos envolvidos.
Nesse contexto, para melhor entender como é estabelecida a competência jurisdicional
para julgar crimes, o art. 69 do Código de Processo Penal traz alguns critérios, quais
sejam:
I – o lugar da infração:
II – o domicílio ou residência do réu;
III – a natureza da infração;
IV – a distribuição;
V – a conexão ou continência;
VI – a prevenção;
VII – a prerrogativa de função.
Sobre isso, o procurador afirma que a incompetência do foro de Curitiba sempre foi
evidente. Afinal, nenhuma infração relacionada à ‘‘lava jato’’ teria ocorrido em Curitiba,
pois até mesmo o nome da operação se deu em razão de um posto de combustível
localizado em Brasília.
O fato é que a decisão provoca certa insegurança jurídica, seja pela aplicação tardia da
lei, seja porque os entendimentos instáveis da suprema corte acabaram oferecendo
credibilidade às teses envolvendo o lawfare.
Portanto, é buscando evitar cenários como esse que o ordenamento jurídico brasileiro
institui mecanismos para garantir a segurança jurídica dos julgamentos, assim como a
imparcialidade e o devido processo legal.
LAWFARE no Brasil: entenda o que significa
Primeiramente, o termo lawfare deriva da junção das palavras law (lei) e fare (guerra).
Na literalidade traduz-se como uma ‘‘guerra jurídica’’.
Nesse sentido, a expressão norte-americana refere-se à manipulação de leis e de
procedimentos legais para prejudicar um oponente político.
Esse termo foi popularizado no Brasil depois de ser utilizado pela defesa de Lula, que
afirma que o primeiro passo para evitar ou minimizar os efeitos do lawfare é garantir que
os processos transcorram totalmente dentro da legalidade.
Certamente, essa manobra jurídica afronta a essência do estado democrático de Direito,
por isso o lawfare é visto como uma forma de transformar a lei em um ‘‘instrumento de
guerra’’.
Princípio do juiz natural
Em contrapartida, o principio do Juiz natural, previsto no art. 5º, inciso XXXVII da CF,
é uma garantia da imparcialidade em juízo e contempla o devido processo legal. Afinal,
o Estado não poderá instituir juízo ou tribunal de exceção para processar e julgar um caso
específico, nem tampouco utilizar manobras jurídicas a fim de manipular a aplicação da
lei nos julgamentos.
Assim, uma grande característica desse princípio se destaca: a imparcialidade. Conforme
expressa Juan Carlos Hitters ‘‘Os juízes devem ser imparciais, de modo que a sua
competência seja previamente estabelecida por lei, evitando a criação dos tribunais de
exceção’’.
Por fim, a Constituição Federal estabelece garantias funcionais aos magistrados, quais
sejam: vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídio, que segundo Paulo
Bonavides são garantias que conferem proteção à instituição e visam assegurar a
permanência dela.
Considerações finais
Em resumo, pode-se concluir que a decisão proferida pelo Ministro Edson Fachin é
apenas mais um desdobramento de um impasse jurídico que ainda não foi finalizado.
De fato, a decisão trouxe impactos que refletem no mundo jurídico, político e eleitoral,
mas é importante ressaltar que a decisão não contempla em seu conteúdo qualquer análise
de mérito sobre a inocência ou não do ex-presidente em face dos processos vinculados à
‘‘lava jato’’.
Assim, toda análise realizada sobre os efeitos da decisão proferida pelo Ministro deve
trazer para o mundo jurídico conclusões vinculadas tão somente ao aspecto da legalidade
dos procedimentos realizados pelo poder judiciário.
Bibliografia
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em Consultor Jurídico: https://www.conjur.com.br/2021-mar-08/fachin-declara-perda-
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Ferrari, M. (15 de Set de 202O). Acesso em 15 de Mar de 2021, disponível em CNN:
https://www.cnnbrasil.com.br/politica/2020/09/15/entenda-o-que-e-lawfare-o-uso-
estrategico-do-sistema-judicial
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm#art5
HITTERS, Juan Carlos. Derecho Internacional de los derechos humanos: sistema
interamericano. Buenos Aires: Eidar, 1993. t.II p. 151.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 15. ed. São Paulo: Malheiros, p. 542. 51 SILVA, op. cit., p. 588.