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quarta-feira, 13 de março de 2024

O Homem Estranho

Nos limites da Vila Velha, além das casinhas de pintura desbotada, há um charco gelado em cujas águas negras dormem mistérios ignorados. Quando anoitece e as nuvens cobrem a lua prateada, ventos sinistros dançam sobre a planície produzindo uivos fantasmagóricos que ecoam por toda a vila. E histórias de almas vagueantes atordoam a mente dos moradores daquela inóspita cidade quando deitam-se para o repouso.

Uma dessas histórias hoje é contada e repetida pelos incultos moradores do local, que ignoram o fato de que ela verdadeiramente ocorreu ali mesmo alguns anos atrás, quando a iluminação das vielas de paralelepípedos ainda era feita pelos antigos lampiões a óleo. Essa história fala de um homem que vagava pelo charco usando uma capa preta e uma cartola negra….seus olhos brilhavam na imensidão como duas estrelas que muito vagaram pelo espaço ilimitado antes de pousar no frio vale olvidado pelo tempo.

Ninguém conhece verdadeiramente a origem do homem de capa preta. Porém antiquíssimas histórias sussurradas na alcova lhe atribuem um parentesco sinistro com a gente Kirschesch, os estrangeiros. Alguns lhe supunham ser uma manifestação de algum ser sobrenatural, pois ninguém nunca lhe vira caminhar à luz do sol. O que se sabe do homem estranho é apenas uma alcunha murmurada que lhe deram as pessoas da vila: Tranca-Ruas.

O nome ninguém se lembra do porquê de ser como era, mas algo nele lhes fazia lembrar dos ocorridos da caça às bruxas do ano de 1324, quando o padre Gellert foi queimado juntamente com uma mulher acusados de heresia. O som das flamas se elevara suspeitosamente enquanto os acusados gargalhavam num êxtase de dor e prazer terrificante. Isso fez gelar o sangue do povo do vilarejo e não mais haviam ousado tocar no assunto até correrem as histórias do fantasma de capa preta.

Na verdade, ninguém nunca falou com Tranca-Rua, malgrado todos no lugar terem uma história peculiar sobre seus avistamentos da entidade. A sra.McKenneth o dizia ter visto enquanto lavava roupa à beira do rio. O jovem John Morgan também afirmava tê-lo visto no bosque próximo ao charco. Segundo o garoto, o homem-espírito gargalhava numa clareira ao acariciar um cão errante. Seus olhos refletiam um brilho estranho e sua voz era grossa e firme.

Muitos temem a ira desse homem. Contudo, poucos se recordam que quando Mabell Across, a filha do reverendo se perdeu no charco, ao ser encontrada, revelou com palavras infantis:

-Ele cuidou de mim. O homem sorridente. Ele não deixou ninguém me fazer mal, papai.-

E, de fato, a menina de cinco anos fora encontrada tão saudável e calma após doze horas perdida na planície fria que se poderia supor que ela apenas havia saído para brincar em seu quintal.

A realidade é que ninguém conheceu, de fato, a verdade sobre o homem estranho da capa preta…Tranca-Rua é mistério e sombra. O que há para se declarar com certo grau de certeza acerca disso é apenas que há ainda certas aparições misteriosas e ruídos incognoscíveis que ecoam pela noite densa da charneca fria e insondável aos arredores da Vila Velha.

Autoria:

Ariel Von Ocker, nome social de Gabriel Felipe Montes Lima

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