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quarta-feira, 24 de abril de 2024

De Machado de Assis a Ruy Barbosa: A Interseccionalidade entre o Direito e a Literatura

  

Quincas Borba

A obra foi primeiro publicada na imprensa, na revista A Estação, em folhetins. O capítulo inicial veio a público em 15 de junho de 1886. E o final em 15 de setembro de 1891. A primeira edição em livro saiu em 1891 pela Editora Garnier.

Tal romance machadiano narra a vida de Rubião. Solene morador de Barbacena que larga o magistério para cuidar de seu grande amigo, Quincas Borba, o qual sofria com distúrbios psicológicos e estava acometido por uma grave doença.

Apesar das diligências adotadas por Rubião, Quincas não resiste. Este, em seu último ato na terra dos vivos, nomeia o ilustre professor como seu herdeiro universal. Entretanto, o enfermo impõe uma única condição ao amigo: cuidar de seu cachorro, cujo nome também é Quincas Borba.

Rubião, subitamente enriquecido, se muda, com o seu novo companheiro, para a Corte, Rio de Janeiro. Cercania na qual o ilustre morador de Barbacena, paradoxalmente, disfrutará de inúmeros prazeres, conhecendo o lado mais doce da humanidade. E amargará variados dissabores, constatando a vilania humana.

Tem-se que tal situação ocorre, fundamentalmente, devido ao encontro inusitado e, posterior, amizade desenvolvida entre o nosso personagem e o casal Palha: Sofia e Cristiano. Este, apesar das inúmeras súplicas de amizade e lealdade, é o principal responsável pela deterioração econômica de Rubião, roendo-lhe grande parte de seu cabedal. Sofia, por sua vez, ao mesmo tempo em que toca o coração de nosso amigo, é a grande culpada pela decadência social, física e, principalmente, mental de nosso querido professor, o que causará a morte deste.

(imagem retira do site Bauhaus Brasil, disponível em: https://escolabauhaus.com.br/blog/quincas-borba-de-machado-de-assis-ganha-versao-em-hq)

Do Direito

Constata-se na supramencionada obra inúmeras passagens que nos remetem ao campo jurídico. Destacaremos apenas as duas principais, que estão relacionadas com a ascensão e a decadência de nosso querido personagem: o testamento (herança) e a loucura (prodigalidade).

Testamento é o ato personalíssimo universal, gratuito, solene e revogável, pelo qual alguém dispõe, no todo ou em parte, de seu patrimônio para depois de sua morte, ou determina providências de caráter pessoal ou familiar (DINIZ, 2008)1.

A herança é o patrimônio do falecido; conjunto de direitos e obrigações que se transmitem aos herdeiros legítimos ou testamentários (DINIZ, 2008)2.

Em consonância com a dita obra machadiana, percebe-se que Quincas, por um ato personalíssimo e solene, destina todo o seu patrimônio ao Rubião.

Nesta linha, destaca-se a questão do cachorro de Quincas, também chamado Quincas Borba. Apesar deste, de acordo com o Código Civil, não poder ser diretamente favorecido pelo testamento, uma vez que a capacidade de sucessão está restrita às pessoas físicas e jurídicas. Tal pode e é indiretamente favorecido na obra. Isso porque seu dono se utiliza do chamado “legado gravado com encargo”. No qual a pessoa beneficiada deve cumprir uma obrigação para ficar com os direitos que lhe foram destinados. Logo, Rubião é obrigado a cuidar do cão, a fim de se lambuzar com a fortuna de seu falecido amigo.    

No que se refere à prodigalidade, tem-se que o pródigo é o indivíduo que, comprovada, habitual e desordenadamente, arruína seu patrimônio; fazendo gastos excessivos. De acordo com o Código Civil, art. 4º, inciso IV, os pródigos são relativamente incapazes. Estes necessitam da assistência de um curador para a administração de seus bens. Noutras palavras, estão privados dos atos que possam arruinar seus bens, sem a assistência de seu curador. Entretanto, comenta-se que poderão ser validamente praticados os demais atos da vida civil.

Transpondo tal situação para a obra ora em análise, percebe-se que Machado, em diversas passagens do romance, demonstra a prodigalidade de Rubião. A exemplo, cita-se os gastos excessivos deste com Sofia e as inúmeras liberalidades conferidas aos amigos.

Com isso, ele era e deveria ter sido declarado relativamente incapaz para determinados atos da vida civil. De modo que tal necessitava da assistência de um curador para a administração de seus bens. Fato que lhe possibilitaria a manutenção, e até o crescimento, da fortuna. Outrossim, tal não seria explorado e, consequentemente, levado às ruínas pelos ditos “amigos”.

1 DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico: q-z. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. 904 p.2 DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico: d-i. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. 904 p.

Autor:

Jordano Zaparoli, graduando em Direito pela UNAERP (Universidade de Ribeirão Preto-SP).

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