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sábado, 27 de abril de 2024

Almoço típico de domingo das famílias brasileiras

Como o horário de verão fora suspenso, apesar de muito cedo, o domingo já era dia. Meu olhar de campesino indicava tempo chuvoso. Entre minha esposa e minha filha já estava decidido que o almoço seria em algum restaurante. Preferencialmente fora do núcleo urbano. Pelo menos naquele domingo estaria livre da cozinha. Agendaram a saída para as onze, mas já passava do meio dia quando partimos.

No carro, perguntei o destino e não haviam ainda decidido. Influenciadas por informações de amigas, deliberaram por um restaurante que ainda não conhecíamos.

O percurso demorou aproximadamente vinte minutos. Por meio do retrovisor interno elas retocaram batom, maquilagem, cabelos. Essas coisas que quase todas as mulheres fazem nesses momentos.

Ao ingressarmos no espaço, próximos à entrada estavam Geno e Cida. Um casal de conhecidos — não os classifico como amigos pelo fato de meu pai ter me ensinado que pessoas conhecidas em boteco não são amigas, mas colegas. Além disso, não guardava afeições por eles — das noites da vida que apesar de fama de valentão, visita igrejas. Diz que é ‘religioso’ e ferrenho defensor da família. Cida é sua terceira esposa. Justifica que deu errado com as anteriores. Cumprimentei-os, fiz as apresentações e nos afastamos em busca de acomodação.

O espaço era rústico, mas aconchegante. Não haviam lá muitas pessoas e as que se faziam presentes eram quase todas conhecidas. Coisa de cidade pequena do interior. Nos acomodamos a uma mesa próxima à de Geno e Cida.

A garçonete se aproximou e anotou o pedido trazendo um suco para minha filha. Pela ordem de chegada sabíamos que estávamos em desvantagem em relação à manipulação do prato.

Enquanto aguardava fui ao balcão degustar a aguardente de boa qualidade da casa. Voltei à mesa e me pus a observar os movimentos ali em andamento. Na parte de fora, em local ajardinado estava um colega com mais dez pessoas, incluindo um bebê, mesmo em meio à pandemia de Covid 19.

Próximo à nossa mesa estava uma amiga de longa data acompanhada de sua filha. Ambas traziam à mão uma taça com bebida alcoólica adornada com uma fatia de limão que sorviam prazerosamente.

À minha frente, um casal acompanhado do filho e da nora analisava o cardápio enquanto degustavam cervejas. O patriarca parecia abster-se da bebida. Ao que parecia, procuravam uma opção que atendesse a todos. Penso que não houve consenso e pediram pratos individuais.

O prato de Geno e Cida chegou. Comeram bacalhau do porto com batata ao murro acompanhado de azeitonas italianas e regado a azeite extra virgem de mesma origem. De sobremesa pediram uma receita da casa à base de muito leite condensado que parecia muito saborosa.

À espera do pedido, continuei observando o grupo à minha frente. O patriarca não parecia muito satisfeito, pois apresentava-se com feitios sérios e riso curto, evidenciando insatisfação. Sua esposa, muito sorridente, era quem tornava o ambiente naquela mesa agradável, embora o tom de voz da nora estivesse regulado em pelo menos sessenta decibéis. A matriarca focava o olhar no marido. De vez em quando lhe fazia um carinho e, subitamente acariciou suas coxas enfiando-lhe a mão sobre a bermuda. Aquela cena me causou arrepios. Confesso que senti inveja daquele jovem senhor. Com certeza o campo estava sendo preparado para a cesta daquela tarde.

Nosso prato chegou e os clientes daquela mesa acabaram a sobremesa, pediram a conta e deixaram o local.

Terminamos nosso almoço e nos retiramos. Próximos à saída, duas crianças pediam trocados justificando que comprariam marmitas. Coincidentemente, Geno e Cida também deixavam o local e nos aconselharam:

— Não deem dinheiro. São filhos de vagabundo. Vagabundo precisa passar fome, concluíram.

As crianças abaixaram a cabeça diante da humilhação. Entregamos as únicas moedas que portávamos e deixamos o local.

Geno e Cida voltaram ao caixa para pedir a nota a fim de ressarcimento por parte da companhia que representavam e comunicar que voltariam à noite para experimentar a pizza da casa.

Não solicitamos nota detalhada do serviço, pois foi minha esposa quem pagou a despesa — apesar do saldo negativo em sua conta bancária — em celebração ao primeiro mês que recebera o vencimento como doutora. Me propus em assumir o gasto, mas não aceitou. Era juramento que queria cumprir. Aceitei sem remorso.

O almoço típico de domingo das famílias brasileiras teria sido perfeito se Geno e Cida não estivesse naquele lugar.

Autor:

Pedro Paulino da Silva

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