Um rei em New York

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Nova York tem sido a capital do mundo mesmo antes da instalação da ONU logo após a II Guerra. O cinema tem sido pródigo em produzir obras em que poderosos personagens fictícios de países imaginários vão àquela cidade em busca, quer de abrigo, como o rei Igor Shahdov (Charles Chaplin), da Estróvia, ou o príncipe Akeem Joffer (Eddie Murphy) de Zamunda, reino africano, este a procura de amor, ambos clássicos da cinematografia cômica. O primeiro de 1957 e o outro de 1988.

Com a instalação do organismo da máxima representação internacional das nações de verdade, algumas até engraçadas, é recorrente a presença de chefes de estado dos cinco continentes naquela cosmopolita metrópole, câmara de eco de declarações e de atitudes. Esta semana instalou-se a anual Assembleia Geral da instituição e, como sempre, o primeiro pronunciamento coube ao representante brasileiro.

Desta feita, o Presidente Jair Bolsonaro incumbiu-se de levar ao mundo as conquistas nacionais alcançadas por seu governo. Tal como todos os chefes de estados, o nosso ficou sujeito à intensa cobertura da imprensa local e internacional. Aspectos objetivos de teses apresentadas, confrontações de dados expostos com outros divulgados por institutos especializados, tudo isso é esmiuçado pela mídia especializada e corre o mundo em minutos. Cada qual acredita no que quer.

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Repórteres do tipo paparazzi acompanham as delegações em busca de flagrantes curiosos proporcionados pelos chefes de delegações ou por alguém de seus entourages. Uma delícia para quem curte malfeitos.

Desta excursão, jornais, televisões, rádios e redes sociais têm se ocupado ao longo de dias, não cabendo no curto espaço desta crônica repisá-los.

Vou relembrar aqui, por esquecida, mas exitosa, a primeira visita de um governante brasileiro aos Estados Unidos.

Em 1876, aquele grande país completou 100 anos de sua independência da Inglaterra e apenas 11 do doloroso episódio da Guerra de Secessão. Naquele ano, em viagem particular, não oficial, custeada por si próprio, D. Pedro II e a Imperatriz Tereza Cristina de Bourbon fizeram viagem aos Estados Unidos.

Alguns aspectos devem ser pontuados: A instalação da república no país americano, simultânea à independência, colocou as monarquias europeias de sobreaviso, principalmente por ter sido atribuído como de sua influência a eclosão da Revolução Francesa (1789). No primeiro século de existência dos Estados Unidos nenhum monarca havia visitado aquele país, cabendo tal honra a Pedro de Alcântara, como gostava de ser tratado um legítimo herdeiro da dinastia dos Bragança de Portugal e de Leopoldina de Habsburgo.

Desembarcando em New York em 15 de abril de 1876, carregando sua própria mala e seu guarda-chuvas, o Imperador do Brasil começou logo a conquistar a opinião pública americana.

Sua viagem estendeu-se até 12 de julho e cobriu diversos estados. Estadista esclarecido, homem culto, sensato, atualizado com os avanços que o mundo presenciava e que o país que visitava já dava mostras de que se preparava para liderar, o monarca na realidade fazia viagem de estudos e por tudo se interessava. Suas cadernetas de anotações atestam a grande disposição e a curiosidade que o mandatário brasileiro demonstrava pelo que via naquela florescente sociedade. Sua participação em eventos culturais e científicos valeram-lhe ser eleito por aclamação membro honorário da American Geographical Society.

Nada de causar estranheza para os brasileiros de sua época, tendo governado o país por 49 anos, Pedro de Alcântara sempre gozou do carinho e da empatia da população. Modesto nos hábitos, conduziu uma guerra em defesa do nosso território agredido, na qual se estima que 50 mil vidas brasileiras se perderam nos pouco mais de 6 anos de duração do conflito.

Recebido pelo presidente dos Estados Unidos, Ulysses Grant, foi convidado de honra a acompanhá-lo na abertura da Feira de Exposições da Pensilvânia, comemorativa do centenário da independência, tendo ali recebido manifestações de admiração e carinho. Havia em Pedro um natural carisma que se matizava à esmerada educação e simplicidade no trato com os demais.

Naquela exposição, foi-lhe apresentado um inventor, Alexander Graham Bell e um aparelho pelo qual, através de fios, se podia falar a distância. Percebendo o potencial da invenção, o Imperador encomendou alguns exemplares para serem trazidos ao Brasil.

Uma curiosidade registrada pela imprensa da época foi o fato de que na eleição para a presidência dos Estados Unidos, que se realizaram no ano seguinte, o nome de Pedro de Alcântara obteve penca de votos, por ter sido, talvez como protesto, apresentado por um eleitor, que o admirando alertava que o seu país precisava ser dirigido por personalidades com perfil mais ameno, como o daquele simpático imperador e, publicamente, pediu sufrágio em seu nome.

A historiografia do Segundo Império é longa e se desenvolve num cenário de transformações políticas profundas no mundo e nos conta de erros e de acertos e finda com o episódio da Proclamação da República, não como o ápice de um movimento que certamente ocorreria, mas, no caso específico, quase como um acidente de percurso.

O velho e doente Imperador é desterrado, faleceu dois anos depois mantendo a dignidade que portou por toda a vida pública, dando sobejas provas de seu amor à Pátria.

Que o seu exemplo seja ensinado aos contemporâneos. A sociedade se altera rapidamente no que concerne a valores materiais. Aos humanos, eles permanecem através dos séculos, e daí é que se formam os fundamentos de uma Nação.

Crônicas da Madrugada.

Autor:

Danilo Sili Borges, membro da Academia Rotária de Letras do Distrito Federal. ABROL BRASÍLIA, Brasília – Set. 2021
danilosiliborges@gmail.com

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