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terça-feira, 23 de abril de 2024

Brasil: um país em meio ao medo, à incerteza e à insegurança

Para Hobbes, no estado natural, os seres humanos podem usar todas as coisas e utilizar todos os meios a seu alcance para consegui-las. De acordo com o pensamento dele, os humanos são maus por natureza, numa alocução de ser estes lobos de si mesmos, considerando que este possui poder de violência ilimitado, pois, desde tempos remotos, um só ser humano submete outros por meio da força a fim de conseguir seu intento e mantê-lo sob seu usufruto, ainda que para tanto tenha que recorrer à violência.

Nesse caso, para conquistar o bem desejado e ter reconhecimento de valor, geralmente se usa a paixão, a experiência e a força física. O conquistador, por sua vez, se vangloria, causando desarmonia, pois, a forma de conquista torna o outro inferiorizado.

De tal modo, e considerando que há insuficiente diferença física ou intelectiva entre os seres humanos na condição natural, Hobbes entende que em tal qualidade tudo é provável, já que não há regras que evitem os homens de se apossar do que é de outrem, nem que os impeçam de impor aflição ao outro, o que leva à conclusão que um ser humano é virtualmente uma ameaça e a ameaça acaba sendo aceita, ainda que provisoriamente.

Mas as paixões são particulares e incontáveis, e todas caminham para um fim máximo: a salvaguarda da vida e a eliminação do desgosto, a preservação da vida e a supressão da dor. Isso admite um convívio com os outros numa relação de ajuda recíproca para a manutenção desse fim, embora existam relações que apresentem fins díspares, e, ainda que se promova regulação para a manutenção do respeito e da ordem, necessário é que se decida quem irá promover tal regulação, e nesse caso, a ação inclui não mais o indivíduo dominado, mas um grupo deles, sujeitos à mesma situação de dominação. Tem-se, então, a sociedade civil.

Dessa maneira, fica evidente que a convivência não ocorre de boa vontade, tampouco de maneira deleitosa, mas aprovada, admissível e suportável, evidenciando a criação do Estado por meio do ‘contrato social’ (Rousseau 1987) que tem por finalidade retirar o poder ilimitado de indivíduos e estabelecer um poder que mantenha a ordem e a estabilidade.

No entendimento de Hobbes, o livre-arbítrio absoluto e a evidência da potência das faculdades naturais do homem arrebentam essa suspeita mútua e sucessiva, suscitando temor, o que abonaria a criação de um artifício para solucionar as desordens internas de uma sociedade. O grande Leviatã, (o Estado), é esse artifício humano capaz de sanar essas desordens. É assim também entendida a criação de leis. O que se denomina juspositivismo nada mais é que a compreensão de que a lei natural deve ser abolida, suprimida pela ordem convencional, artificial, inventada pelos homens, tendo em vista um bem comum que é a preservação da vida.

Infelizmente, parece que falta ao presidente desse país um pouco de conhecimento filosófico — embora seja visível que ele não possua ciência de nada dadas suas ações como governante maior do povo e nem bons modos como representante da sociedade brasileira — a fim de que repense suas atitudes e compreenda que o que vale ao povo precisa, igualmente, valer aos políticos, principalmente a um presidente, e que existe uma lei e uma ordem instituída a qual submeteu-se no ato de sua posse.

É preciso que o desvairado que ora se coloca na condição de governante seja avisado que um país não é algo que se conquiste, e, que poder não pode ser adquirido por meio da força, e, ainda que tenha sido eleito governante, não é dono do país nem das instituições que o compõe. Que o cargo de presidente é provisório e quem o ocupa precisa ter ciência que ao ocupa-lo fica sujeito ao contrato social estabelecido na Constituição e nas leis.

Ao que tudo indica o presidente está querendo perpetuar-se no poder, e, para tanto, como afirma Hobbes, está disposto a utilizar todos os meios para conquistar suas paixões, mesmo que pela força física, e, desta forma se vangloriar, ainda que tal atitude cause desarmonia e torne o povo brasileiro inferiorizado e aterrorizado. Há nele um desejo irrequieto de poder e mais força, o que fica claro na convocação, sob sua liderança, do ato de sete de setembro — que agora está tentando caracterizar como ‘ato pela liberdade’, onde cabe a questão: liberdade de quem e para quem? —. Uma afronta ao Supremo Tribunal Federal (STF) e a todas as instituições do país, numa pretensão de desalojar o Poder Judiciário de suas funções e toma-las para si.

Quanto a afronta ao STF não é fato novo. Mas ao que tudo indica, o presidente e seus seguidores querem mortes no decorrer do ato convocado para sete de setembro, pois, isso seria um forte motivo para a criação de um ‘caos’. E isso poderá acontecer com qualquer pessoa, preferencialmente idosa ou criança, por meio de infiltração de loucos em meio aos seus discípulos para culpabilizar seus opositores, ‘comunistas’ ou outro delírio qualquer.

Não se sabe por qual motivo as instituições responsáveis ainda não tomaram decisão assertiva para enquadrar o ‘capitão presidente’ em conformidade com o contrato social estabelecido pela sociedade brasileira, contrato esse que retira dele poder ilimitado exatamente para a manutenção da ordem e estabilidade as quais ele tem tentado, a todo custo, desmontar com seus atos geradores de discórdias, provocadores de crises — lembrando que as crises não são institucionais, mas dele, que certamente está precisando de tratamento médico urgente, principalmente psiquiátrico — desestabilizando o país e o desmoralizando diante do mundo, além de torturar a sociedade por meio do medo, das incertezas e da insegurança.

Ao que parece, o ‘capitão presidente’ não está satisfeito com o mandato já alcançado. Não quer contentar-se com um poder moderado, e, pelo fato de não estar cotado para garantir o segundo mandato e querer um prazer mais intenso de mando, tem movido todas as forças para se impor aos demais poderes constituídos e ao povo brasileiro. Um desejo de poder doentio, pois, ao que parece está considerando a possibilidade de uma revolta civil quando defende o armamento, afirmando que quer ver a população armada com fuzil, tendo inclusive acenado, conforme A Gazeta do Povo, com edição de decretos e portarias que facilitem o porte de armas.

Infelizmente o futuro do país está em jogo, pois o movimento de seu governante maior tem indicado o caminho do conflito social a fim de sustentar-se no poder — e com mais força — mesmo que isso traga danos a todos, pois conforme enfatiza o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Manuel de Oliveira Guterres, “Na guerra, não há vencedores […]. Todos estão a perder. E isso é […] essencial para que esqueçam […] as contradições de interesses, e pôr fim à […] violência e conflitos”. (https://agenciabrasil.ebc.com.br/).

Não sobram dúvidas que o presidente ainda não tenha percebido a diferença dos papeis de capitão e de presidente. Ao que parece, carrega confusão entre esses conceitos, pois, costumeiramente tenta inferiorizar as pessoas e seus auxiliares, incluindo o vice-presidente.

Em conclusão, os atos praticados pelo mandatário brasileiro são suficientes para justificar seu afastamento do cargo. Os mesmos atingem todos os poderes, o povo, e, por tabela, a Carta Magna de 1988. Não existem justificativas para a ausência de ações que coloquem fim aos desmandos dele, a não ser o medo do Congresso, do STF, das Forças Armadas ou a conivência de parte deles frente à insegurança e instabilidade vivenciada, pois, um governante que convoca o povo para enfrentamentos, colocando vidas em risco, não está pronto para o exercício do governo. O navio Brasil está à deriva. Seu capitão perdeu o controle.

Referências

HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado Eclesiástico e civil. São Paulo. Martin Claret, 2009.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social, Ed. Nova Cultural, São Paulo, 1987.

Sites Visualizados

https://agenciabrasil.ebc.com.br/ (visualizado em 04 ago, 2021).

https://www.gazetadopovo.com.br/republica/breves/bolsonaro-diz-que-tem-que-todo-mundo-comprar-fuzil/ (visualizado em 04 ago, 2021.

Autor:

Pedro Paulino da Silva, professor de Ciências Humanas, graduado pela FAFI Cachoeiro de Itapemirim e Mestre em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo

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