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sexta-feira, 19 de abril de 2024

Opinião: Inquérito das “Fake News” é Inconstitucional e vergonhoso

O Brasil foi destaque no mundo como um dos primeiros países a mobilizar sua estrutura de Estado para fazer buscas e apreensões e até mesmo prisões de pessoas acusadas de espalhar “fake news” – ou, ao menos, é o que dizem os “iluminados” ministros da suprema Corte, mas os alvos não tem acesso ao Inquérito para constatar como garante o Direito.

O inquérito das fake news foi instaurado pelo Supremo Tribunal Federal em 14 de março de 2019 sob o número 4.781. Na minha avaliação, o inquérito apresenta oito irregularidades. Vamos a elas:

1) Primeiramente o inquérito não poderia ter sido instaurado e conduzido pelo STF, pois o artigo 43 do regimento interno do STF só autoriza a instauração de uma investigação pelo próprio Supremo, para apurar um crime que tenha ocorrido nas dependências do STF, e desde que os investigados tenham foro privilegiado perante este órgão. Contudo, nenhum desses requisitos ocorreram, pois as supostas ameaças e ofensas eventualmente praticadas não ocorreram na sede do Supremo, mas sim através das redes sociais. Além disso, os primeiros investigados não tinham foro privilegiado perante o STF, pois eram jornalistas e ex-servidores públicos. Apenas posteriormente foram incluídos deputados federais como alvos das investigações.

2) Não existe crime de “fake news”, pois essa conduta não está tipificada no Código Penal e nem em outras legislações especiais. O que temos em nosso ordenamento jurídico são os crimes contra a honra, que são os delitos de injúria, calúnia e difamação; sendo completamente atécnico constar em um documento jurídico que instaura um inquérito, que visa apurar um crime que não existe.

3) Pessoas jurídicas não têm honra subjetiva, não tem sentimentos; assim, não podem ser vítimas do crime de injúria, sendo irregular a instauração de um inquérito para apurar crimes que atingem a honorabilidade do STF, conforme foi escrito pelo ministro Dias Toffoli, quando decidiu abrir o inquérito.

4) Os fatos a serem investigados são vagos, o que não está processualmente adequado, pois as condutas que serão investigadas devem ser individualizadas e específicas. Na portaria de instauração do inquérito, são mencionados apenas tipos penais, ou seja, são ditos quais crimes teriam sido cometidos; contudo não foi explicado quais fatos objetivamente originaram a abertura do inquérito.

5) A violação ao princípio do juiz natural, ou seja, à regra da livre distribuição do caso, pois quando o ex-presidente do STF, o ministro Dias Toffoli, instaurou o inquérito das fake news, ele designou o ministro Alexandre de Moraes como o juiz responsável pela condução do inquérito. Contudo, de acordo com o princípio, um juiz não pode ser escolhido; ele deve ser sorteado, pois nosso sistema não aceita tribunais de exceção.

6) A violação ao princípio da ampla defesa, pois nos primeiros meses de apuração, os advogados dos investigados não tiveram acesso ao inquérito; e quando eram intimados a depor, não sabiam se seriam ouvidos na qualidade de testemunha ou de investigado. Essa postura do STF violou uma regra editada pelo próprio Supremo, regra essa prevista na Súmula Vinculante nº 14 do STF, que disciplina que os advogados de defesa devem ter acesso amplo às investigações criminais.

7) A violação ao sistema acusatório, que é o conjunto de leis, normas e princípios do nosso Direito e adotado pela Constituição Federal. De acordo com o sistema acusatório, as funções de acusar, defender e julgar devem ser exercidas por órgãos distintos e autônomos; ou seja, quem acusa no processo penal é o Ministério Público; quem realiza a defesa do réu é o defensor, e quem julga é o juiz. Contudo, no inquérito das fake news o ministro Alexandre de Moraes exerce uma pluralidade de funções, pois ao mesmo tempo é vítima, investigador e juiz.

8) A ausência da participação do MP no início das investigações, e o arquivamento feito pela Procuradora-Geral da República. Assim que o inquérito foi instaurado, a ex-PGR Raquel Dodge solicitou vistas dos autos, contudo, decorridos quase 30 dias, a procuradora-geral não teve acesso à investigação, e realizou o arquivamento do inquérito. Entretanto, o arquivamento foi desconsiderado pelo STF e as investigações continuaram, tendo sido realizadas diversas buscas e apreensões, inclusive contra o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot. Nas palavras do ministro Marco Aurélio Mello, esse procedimento seria um “inquérito do fim do mundo“.

Apesar de todas essas irregularidades e inconstitucionalidades, em junho de 2020 o STF considerou constitucional esse inquérito por 10 votos a 1, tendo sido vencido o ministro Marco Aurélio, que em outra sessão do Supremo se referiu ao ministro Alexandre de Moraes como “xerife”.

O ápice das irregularidades do inquérito do fim do mundo foi em 4 de agosto, Alexandre de Moraes incluiu Bolsonaro como investigado no referido inquérito pois, segundo o ministro relator, o presidente se posicionou de forma criminosa e atentatória ao STF, ao dizer que a intenção de seus ministros era de fraudar as eleições para favorecer eventual candidato.

O ministro Alexandre ressaltou (olha o absurdo) que a fala do presidente teria influenciado a população a criar hashtags com “propósito antidemocrático” como #barrosonacadeia e #votoaudidavelja; e que poderia configurar crime contra a honra; incitação e apologia ao crime; associação criminosa; denunciação caluniosa; crimes contra a segurança nacional e eleitorais.

Outro ponto absurdo foi a decretação da prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), pois por mais que as palavras proferidas em seu vídeo tenham reprováveis, o deputado tem imunidade parlamentar em relação às suas opiniões, palavras e votos, de acordo com o artigo 53 da Constituição.  A despeito dessa ilegalidade, o parlamentar permanece preso, mesmo após pagar fiança. Repare, se é um crime inafiançável, como foi pedido e calculado fiança? E pior, a fiança foi recebida!

Além disso, quando o ministro Alexandre de Moraes afirma em sua decisão que o presidente da República “utiliza esquemas de divulgação em massa nas redes sociais, com o intuito de lesar ou expor a perigo de lesão a independência do Poder Judiciário, o Estado de Direito e a Democracia”, ele está antecipando seu entendimento judicial; antecipando um julgamento, fato que compromete a necessária imparcialidade do julgador.

Esse episódio retrata a não observância das normas de Direito Processual Penal e da própria Constituição Federal pelo órgão incumbido de proteger e guardar a Constituição, resultando em enorme insegurança jurídica, política e social. O STF é um desastre.

Odilon da Silva Dutra Junior
Odilon Dutra Junior
Bacharel em Direito e Finanças, MBA em Governança Corporativa, Riscos e Compliance e Pós Graduado em Direito Constitucional com foco em penal. Entusiasta dos temas de Inovação, Direito e Politica. "Moderação na defesa da verdade é serviço prestado à mentira" - Olavo de Carvalho

27 COMENTÁRIOS

  1. Odilon, parabéns pelo excelente artigo! A composição atual do STF é uma vergonha para o judiciário, eles interpretam a lei como bem entendem e não sofrem qualquer penalização pelas suas decisões.

  2. Fico imaginando a força que perdeu o establishment para ter de envolver ministros do STF que ninguem nem conhecia para essa batalha tosca de narrativas. Bolsonaro fala muita besteira, mas como ficar contra um cara que todo o sistema quer massacrar?

  3. fora os discursos pessimos que ouvimos dos MBL da vida que antes eram contra o STF agora, só faltam sentar no colo dos ministros…esse inquerito é pessimo e esse pais é uma piada do Porchat…

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