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sexta-feira, 19 de abril de 2024

A virtude dos fracos

Quase não há histórias sobre pessoas que escolherem
permanecer covardes, sempre quando O Momento
divisor de águas chega, o protagonista escolhe
enfrentar seus medos e seguir em frente. Mas e se O
Momento chegasse e o protagonista deixasse passar,
como terminaria a história?

Meu despertador me acorda todos os dias às 5 horas da manhã, apesar de ter que estar no trabalho apenas às 8, gosto de acordar cedo para não ter a sensação de que a única coisa que fiz no dia foi ir para o trabalho, seria um completo desperdício viver apenas para trabalhar, enquanto se espera ansiosamente pelo fim de semana para ter alguma diversão.

Trabalho em uma editora de livros, eu sou uma das pessoas que escolhem os títulos que vão entrar para o catálogo da editora, gosto do que faço é um emprego que me agrada, apesar de às vezes ainda me pegar pensando em como poderia ter sido a minha vida se eu não tivesse abandonado meu sonho, meu emprego atual me paga um salário melhor do que eu teria se tivesse prosseguido, mas será que isso vale o preço da minha felicidade e satisfação?

Quando mais jovem eu queria ser professora, queria ensinar história para crianças e adolescentes, queria mostrar como os eventos do passado nos trouxeram ao ponto em que vivemos, e como um erro do passado está fadado a ser repetido pelo povo que esquece da própria história. Cheguei a fazer 3 semestres de licenciatura em história, foi tudo que aguentei.

Ter de falar na frente de muitas pessoas sempre foi um desafio, minhas pernas ficavam bambas, meu coração acelerava, minhas mãos tremiam descontroladamente e por vezes minha voz falhava. Eu pensava que quando fizesse 18 anos isso acabaria, pois nunca tinha visto um adulto nessas condições ao falar em público, mas eu estava errada (óbvio), para que minha condição mudasse eu teria que fazer alguma coisa a respeito.

Entrei em um projeto da faculdade de para ajudar a melhorar a oratória, fiquei nele por 6 meses, senti que estava progredindo, apesar de ainda ficar com as pernas bambas a minha voz não falhava mais e isso me tornou mais confiante, por esta razão resolvi sair do projeto para poder praticar em novos ambientes, foi então que entrei para um projeto de extensão de debates do curso de direito, senti que poderia encarar aquilo numa boa, mas não pude.

Eu ficava muito ansiosa para os encontros do projeto, me comparava com os demais e os colocava em uma espécie de pedestal, achava que todos tinham uma desenvoltura foda e que eu era uma completa droga sem salvação, comecei a pensar que aquele não era o meu lugar, e a internalizar que o meu sonho de ser professora não era para mim. Hoje, consigo enxergar o quão covarde eu estava sendo, aquele projeto era para ajudar pessoas com eu, com problemas para falar em público, todos os participantes estavam lá aprendendo. É um fato que algumas pessoas têm mais desenvoltura para falar do que outras, mas isso não é um problema e nem um motivo para que eu me sentisse diminuída e fracassada.

Mas na época não era assim que eu via as coisas, por isso após 2 meses deixei o projeto. Com o passar dos dias fui ficando cada vez mais impelida a sair do curso, cada apresentação de seminário me fazia sentir certeza de que lecionar não era para mim, as aulas que eu amava se tornaram um fardo, eu sentia a constante sensação de inquietação e euforia, até que decidi mudar de curso. Comecei a cursar produção editorial, era algo que me interessava e que eu gostava, então me convenci de que era isso que o meu íntimo desejava.

Não demorou para que meus esquivos de situações que exigiam um pouco de coragem se tornassem hábito, independente do aspecto da minha vida, seja ele pessoal, profissional, amoroso, social ou acadêmico, eu estava sempre na minha zona de conforto e me recusava a sair dela, na verdade eu mal considerava essa possibilidade.

E assim fui vivendo, como uma covarde, fugindo dos obstáculos, desistindo sempre que algo ficava difícil demais. Sempre tive medo de tentar coisas novas, por vezes eu entrava em projetos, em clubes e afins e saia pouco tempo depois, sempre com uma desculpa sobre não ter tempo ou algo do tipo, quando na verdade eu estava com medo da nova situação. Perdi muita coisa boa por isso, deixei de viver bons momentos e de conhecer ótimas pessoas também, tenho certeza.

Meu nome é Anabel, tenho 45 anos, sou covarde e não tenho a menor intenção de deixar de ser. E apesar do que parece, minha vida não foi um desperdício ou uma completa porcaria, eu não sou mais infeliz do que a maioria das pessoas, como pintam os filmes. Perdi amizades, empregos, experiências e o “amor da minha vida” , abandonei sonhos e tudo isso fiz em nome da covardia, se fosse abençoada com uma nova chance arregaria novamente.

Veja bem, não é como se eu não quisesse ter coragem ou como se estivesse totalmente satisfeita com a minha vida retraída. A questão é: para se ter alguma mudança é preciso fazer alguma coisa e para isso é preciso ter coragem para encarar o desafio. E de onde posso tirar coragem para seguir com a agonia do processo de mudança se nenhum mal físico me atinge? A única coisa que me faria mudar seria nascer novamente, uma nova Anabel, mas que desta vez tivesse coragem e determinação em sua essência.

Tenho alguns amigos, sou casada com uma pessoa que de fato não amo, mas que tenho muito respeito e admiração, um bom emprego que não me satisfaz completamente mas que é do meu agrado, vivo uma vida tranqüila, com pouquíssimos riscos, às vezes fico triste e amargurada por tudo o que deixei de viver, então me lembro que não sou tão diferente das pessoas ao meu redor e me conformo, afinal isso é a vida adulta.

Autora:

Daniele

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