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segunda-feira, 22 de julho de 2024

Meu Preço

Nesta cidade, é impossível não sentir ansiedade. Mas hoje, por alguns motivos, era um dia especial. Pelo menos, assim era para Andrade. 

Quando a noite chegou seu apartamento já estava escuro e ele já estava sentado na mesma posição há algum tempo, bebendo de um copo do whisky mais caro de seu armário de bebidas. Na televisão, já estava no meio do terceiro filme de uma trilogia sobre gângsters. 

Ele toma o último gole do whiskey que ainda restava em seu copo. Andrade suspira e, quase que fazendo força, se levanta para encher mais um. 

De repente, alguém bate na porta dos fundos de seu apartamento. 

Andrade sorri com o canto da boca e, sem soltar seu copo, vai até a porta para atendê-la. 

Quando ele a abre, vê Fernando, um amigo, pressionando um ferimento de bala em seu estômago.

“Meu Deus, Fernando, o que aconteceu?”, perguntou Andrade fingindo surpresa.

“Finalmente me acharam. Eu não sei como, mas acharam.”, responde Fernando em meio aos seus gemidos de dor.

“Alguém te viu subir?”

“Claro que não! Tomei todos os cuidados.”

“Bom… entra, entra logo.”, diz Andrade.

Fernando entra e Andrade fecha a porta, sem tirar os olhos da mancha de sangue que vem da porta da escada até a porta de seu apartamento. 

Fernando anda até o sofá e se senta, manchando tudo de sangue no caminho. 

Andrade olha para Fernando, que sua frio e geme de dor, enquanto se serve tranquilamente com mais um pouco de whisky. Ele não oferece nada para Fernando.

“E agora, Andrade? O que a gente faz?”, Fernando pergunta.

 “Calma, meu amigo. Tudo nessa vida requer calma.”

“Não tenho muito como ficar calmo… eu estou morrendo.”

“Exatamente. Você está.”

Fernando olha para Andrade com medo.

“A gente precisa fazer alguma coisa. Você tem que me ajudar.”

“Não, Fernando. Você que tem que me ajudar.”, responde Andrade com uma distinta frieza.

Nesse momento, Fernando percebe tudo. Ele percebe que seu amigo de anos, comparsa de crimes e maior aliado, havia o traído.

“Quanto eles te ofereceram?”, pergunta Fernando, já derrotado.

“Nada. Fiz de graça.”

“De graça?”

“Como todos nesse mundo, eu tinha meu preço. Mas para a sorte de nossos inimigos, meu preço era justamente o trabalho que eles me pediram para fazer.”

“E qual era esse?”

“Sua morte, Fernando. Sua morte era meu preço. E por isso entreguei sua localização para os Russos.”

Há um breve silêncio entre os dois.

Andrade segue tomando seu whisky, olhando para Fernando que não para de perder sangue em seu sofá. 

Tiveram muitas memórias ao longo de sua amizade, e acredito que ambos refletiram sobre elas naquele momento; de formas diferentes, claro.

“Por que?”, pergunta Fernando.

Andrade o olha com um estranho e doentio apreço.

“Porque eu me cansei de você. E seria doído demais saber que estava vivo e que eu estaria longe de você.”

Fernando o olha e acredita nas palavras de Andrade. Ele mexe sua cabeça em afirmação e dá um leve suspiro enquanto olha para o copo na mão de seu amigo.

“Posso tomar um pouco também?”, pergunta Fernando.

Andrade o olha com pena, pega a garrafa vazia e o mostra.

“Acabou.”, ele diz.

Fernando pensa profundamente.

“Acabou.”, concorda.

Andrade troca olhares com o amigo enquanto Fernando termina de sangrar no sofá.

Ele não morreu a sós.   

2 COMENTÁRIOS

  1. Trágica morte, além de nos fazer ver que a qualquer momento podemos ser traídos, até mesmo pelo melhor amigo. Sempre devemos ter cautela e ver bem em quem confiamos.

  2. No mundo atual é importante cuidar com quem se anda, se relaciona…. as pessoas tendem cada vez mais ater duas caras e nos trair na primeira oportunidade.

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