Toda terça, quatro e meia, lá vai Giovanna ao compromisso semanal. Ela nunca se atrasa e nem falta. Há 5 anos, o dia da terapia é um dia sagrado.
Em pensar que resistiu em começar pois achava desconfortante falar sobre si e, também, porque parecia tudo muito abstrato… Naquela época, ainda não percebia que essas coisas não palpáveis – os pensamentos e comportamentos que atrapalhavam sua vida – podiam ser acessadas e trabalhadas por meio de um método, assim como se trabalha na construção de uma casa, de um artigo científico ou de uma música.
No começo foi estranho e a moça quase desistiu. Foi abertura demais pra si mesma. Aos poucos, a coisa foi se ajeitando e, Giovanna e sua terapeuta encontraram um ritmo no qual as duas conseguiram dançar.
E foi assim que Giovanna casou-se com a terapia. Até trocou de condutora algumas vezes, por força maior, mas aí, já aprendera a acompanhar os diferentes ritmos, porque entendeu que o segredo era deixar fluir.
Foi na última semana que, como de costume, a moça sentou-se num tronco de árvore, atrás do ponto de ônibus, onde batia sombra, à espera do transporte que a levaria pra casa. Ela sempre fica ali por meia hora, sozinha e tranquila depois de uma sessão. Mas, naquele dia, excepcionalmente, surgiu uma companhia. Era Daniela, uma colega e vizinha de bairro.
Giovanna acenou e a amiga foi dividir a sombra com ela.
– E aí, Dani! Tudo bem? – disse Giovanna.
– Oi, Gi! Tudo bom e você? – Daniela respondeu sentando-se ao lado da vizinha.
– Eu tô bem também.
– Tava na terapia?
– Tava.
E, por algum motivo, a moça começou a falar bastante.
– Eu já pensei em fazer terapia, mas, sei lá… eu falo bastante sabe, acho que nem a terapeuta ia me aguentar – disse em meio à risos, em tom de piada.
E prosseguiu:
– E, geralmente eu não guardo as coisas pra mim… eu sempre desabafo com as pessoas e coloco pra fora os meus sentimentos e daí eu fico aliviada. Acho que seria bobagem fazer terapia…
Giovanna ouvia, e, sem interromper, deixava a amiga falar.
– Bom, não sei, na verdade, né? Porque eu nunca fiz. Mas é isso, né? Basicamente acredito que o grande problema das pessoas é guardar as coisas dentro de si, e que, falando e colocando as coisas tudo pra fora elas se resolvem. Bom, é o que eu acho, né?
Então, Giovanna finalmente interrompeu:
– E você se sente bem assim?
– Me sinto bem assim como? – Daniela perguntou, encarando Giovanna, com ar de surpresa.
– Em falar das suas coisas, assim, pra todo mundo…
– Ah, nunca parei pra pensar sobre isso… só acontece. Geralmente eu fico bem sim.
– Então tá tudo bem. O importante é você se sentir bem.
– Pois é então…
Depois disso, Daniela parou de falar e pegou o celular. Clicou sobre as notificações, e respondeu algumas mensagens. Guardou o aparelho novamente e, impaciente, fez uma pergunta retórica à colega:
– Nossa, e esse ônibus que não vem?
Giovanna respondeu o óbvio:
– Ah, tem mais uns vinte minutos pra esperar… Passa só umas seis e quarenta.
– Hum… fazer o que, né? Esperar…
– É… toda semana eu espero… é meio chato, né? E pensar que vinte minutos, na terapia, passa tão rápido.
– E quanto tempo dura a consulta?
– Cinquenta minutos.
– E sempre tem o que falar?
– Ah, tem. Sempre tem. Cinquenta minutos é muito pouco.
– Nossa, eu não ia saber nem por onde começar.
– Fica tranquila! Eu faço de graça, sabia? Tenta ir, ué. Vai que você gosta. É bom demais! Eu aprendi a lidar melhor com minha ansiedade.
– É, pode ser… eu vou pensar direito. Manda pra mim o telefone deles e aí eu vejo o que eu faço…
– Tá bom!
E foi assim que Giovanna conseguiu, com êxito, pregar novamente a palavra da saúde mental. Ao que se sabe, Daniela acabou ligando pra clínica durante a semana e marcou sua primeira consulta, “pra ver como é”. Como Giovanna sempre costuma dizer: “Atravessamos as Eras Paleolítica e Neolítica, e agora, estamos na Era Ansiolítica.”
Espero que Daniela aproveite! O primeiro passo ela já deu.