Nas últimas semanas muito repercutiu nas principais revistas e jornais de moda de todo o país uma entrevista concedida pela famosa estilista Carolina Herrera, venezuelana que criou sua própria marca de cosméticos, na década de 80, ao jornal britânico Daily Mail.
De acordo com ela, mulher para ser elegante não usa jeans, preto e biquíni e a partir de uma “certa idade” não usa cabelos compridos. Além disso, nessa entrevista aconselhou o público feminino a parar de combater o envelhecimento, pois segundo ela não há nada de errado em ficar mais velha.
Nos causa certa perplexidade uma estilista e empresária como Carolina Herrera, que fez fortuna com a indústria da moda e da beleza, cujos produtos são restritos a uma parcela mínima da sociedade, pois possuem valores exorbitantes para os nossos padrões, um Kit de Beleza da marca, composto de um perfume e um batom, nos principais e-commerce pode chegar a aproximadamente R$ 420,00, defender posturas tão preconceituosas e que não levam em consideração a liberdade de cada indivíduo e os aspectos culturais e econômicos de cada país.
Não se discute que Carolina Herrera tornou-se referência na moda e na beleza, mas acredito que faltou a ela sensibilidade para enxergar que o mundo mudou e hoje prevalece outros valores como diversidade, liberdade e personalidade.
Ademais não podemos nos esquecer que o conceito de moda está em constante transformação e nem mesmo quem vive dela consegue conceituá-la com precisão como nos revela Gisele Bundchen, em seu livro Aprendizados, minha caminhada para uma vida com mais significado, para quem “a moda é um negócio tão diversificado. Está sempre mudando e é tão lúdica. Cílios postiços e sutiãs de bojo num dia, roupas de látex e perucas no outro, biquíni fio dental e uma farda no dia seguinte. Era como fazer experimentos com a minha própria identidade: Quem vou ser hoje? Meu espírito sem limites era atraído pela moda”.
Por outro lado, Ana Paula Miranda, no livro Consumo de Moda, a relação pessoa-objeto, nos esclarece que um dos diversos aspectos do estudo da moda é a visão da moda como processo. Diante desse aspecto ela pode ser analisada como processo ditatorial, como processo democrático e como processo de afirmação.
Ana Paula Miranda ainda observa que a moda como processo ditatorial é definida segundo modelos ou padrões, como na série Sex & the City, em que cada uma das quatro amigas apresenta um eu e esse está presente na escolha de suas roupas, ou pelas celebridades, pelos designers de moda e pela mídia.
Na moda como processo democrático “as pessoas usam a sua realidade cotidiana e as referências de vida, como amigos e família, para comporem a sua forma de vestir e, consequentemente, escolherem seus produtos/marcas no momento da compra”.
Para ela a moda como processo de afirmação encontra a questão da auto-estima como questão central do processo de afirmação, ou seja, para se sentir aceita, se sentir realizada, se sentir bem, há necessidade de uma busca pela zona de conforto e autoconhecimento, tanto para si como para se posicionar em relação ao outro, mediante o uso dos artifícios da moda. De acordo com ela “o sentido de estilo aqui é de assinatura pessoal, traços característicos que passam a pertencer a esta pessoa e que é adquirido num ‘pacote’ quando consumidos nas marcas”.
Ana Paula Miranda ainda nos esclarece que o significado de “estar na moda” é complexo e inclui atributos como estar informada e se sentindo bem. Para ela o primeiro atributo engloba o conceito de estar por dentro, estar in, haja vista que na era da informação esta tem mais valor que o dinheiro. E mais antes estar na moda era igual a ter dinheiro para acessar a moda e hoje é ter informação/conhecimento sobre o que está acontecendo no mundo para saber o que escolher e comprar.
O sentido do bem-estar para ela “é relativo ao gosto próprio, mas também de estar conforme o gosto do outro, ou seja, estar confortável sob os olhares, inclusive o próprio olhar. Esta aceitação geral de todos e por todos leva a este sentimento de conforto na própria pele, esta pele que foi consumida diretamente da vitrina. Ao mesmo tempo em que negar a moda e a tendência leva a crer que não está assumindo um visual que não esteja de acordo com sua personalidade nem com sua aparência física”.
Diante disso, o conceito atual de “estar na moda” e ser elegante não exclui o uso do jeans, preto e do biquíni. E essa posição confirma-se pelos números da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (ABIT), de 2018, que mostra que o Brasil encontra-se em segundo lugar como maior produtor de jeans ou denim do mundo e o terceiro maior consumidor isso sem falar que somos referência mundial em design de moda praia.
Em relação ao uso de cabelos compridos há mulheres maravilhosas, de uma “certa idade” como frisou Carolina Herrera, que atualmente usam cabelos compridos, e não vou citar nomes para não ser grosseira, fato que em nada diminui a sua elegância e beleza.
Com relação aos tratamentos anti-envelhecimento o filosofo Lars Svendsen, no livro Moda uma filosofia, observa que em todos os períodos da história houve diversos tipos de perfeição e apenas um foi escolhido como imagem ideal de felicidade e beleza, enquanto os demais fazem o possível para copiá-lo com a ajuda da moda e da beleza.
Segundo ele há alguns rostos, contudo, que nunca o conseguem e para isso socorrem-se das cirurgias plásticas cosméticas e isso decorre do fato de que “há limites para o grau em que um corpo pode ser modificado por meio de cosméticos, penteados e exercícios, mas uma intervenção mais direta através da cirurgia plástica, tirando um pouco aqui, acrescentando um pouco ali, põe visivelmente o ideal de beleza próprio de qualquer época dada ao alcance de um número cada vez maior de pessoas”.
O autor ainda informa que a cirurgia plástica cosmética é uma indústria em veloz expansão e na Noruega, um país com cerca de 4, 6 milhões de habitantes, estima-se que cerca de 80 mil mulheres se submeteram a ela, em 2004, e cerca de 250 mil outras disseram estar pensando em fazê-la.
Lars Svendsen salienta ainda que não é só as mulheres que estão insatisfeitas com sua aparência e de acordo com ele um estudo recente afirma que 43% de todos os homens nos Estados Unidos estão insatisfeitos com sua aparência, três vezes mais que 25 anos atrás, o que tem levado um número maior de homens a modificarem sua aparência por meio da cirurgia plástica cosmética.
Assim, não há nada de errado no ser humano querer se cuidar e tentar melhorar sua aparência ao contrário isso faz parte de sua natureza. Ademais, esqueceu-se Carolina Herrera que prevalece no mundo da moda e da beleza nos dias de hoje a liberdade, pois lugar de mulher é onde e do jeito que ela quiser. Por isso, Carolina Herrera que nos perdoe, mas usamos biquíni, jeans, preto e os nossos cabelos do jeito que queremos sem medo de sermos deselegantes.